terça-feira, 30 de outubro de 2007

OS OPERÁRIOS EM RAÚL BRANDÃO

(raul brandão)

OS OPERÁRIOS
De Raul Brandão.

Em 1 de Julho de 1895, Raul Brandão, a propósito da vida em Lisboa, apresenta-nos este panorama da sociedade portuguesa do fim do século XIX..

«A verdade funda e negra é esta: é que a miséria é enorme. As casas de prego estão cheias. Ganha-se menos dinheiro e a vida está mais cara.

Há misteres curiosos, que de propósitos se inventaram para ganhar dinheiro: a exploração de mendigos em grande, com escrituração, livros, homens que correm as feiras minhotas à procura de lepras corrosivas e de homens cancerosos e a prostituição de pequenas desde os oito anos..

A mulher é explorada em toda a parte. Ganha pouquíssimo, pelo que tem de se vender à força. Conheço uma actriz que representou no Tetro D. Maria em LISBOA. Ganhava trinta mil réis por mês e tinha de comprar, por cada peça em que participava, dois ou três vestidos que lhe custavam o triplo. Duma vez para não se vender a dez tostões, viveu um mês a café e a morfina.

Já vêem vocês que a vida é dura. Família inteiras morrem lentamente, é certo, de fome. Ao pé disto a intriga política leva todo de enxurada.

A mendicidade praticada por crianças, que são exploradas por adultos crapulosos, e a delinquência infantil são duas chagas sociais que, naturalmente, contribuem para difusão do anarquismo..

Em 19 de Março de 1895, o Correio da Manhã propõe aos seus leitores um inquérito sobre o suicídio:

O suicídio alastra-se, como uma doença estranha, nervosa, atirando para a cova com todos os desgraçados já enfraquecidos de cérebro e já mais ou menos preparados para a morte.

Nestes últimos tempos, então a mania ou a loucura tem tomado proporções de tal ordem que se torna necessário um remédio que atenue o mal...

È fácil dizer-se que o suicídio é uma cobardia e um crime.. Tu leitor, que neste mesmo instante lês sereno, ao pé da tua filha linda e fresca, a sorrir no aconchego da tua sala, onde os crisântemos morrem deixando cair devagar as pétalas com um ruído de soluços não compreendes que um desgraçado ache a vida má e inútil e meta chumbo nos miolos ou se atire de um quarto andar para o lajedo da rua.

Não podes mesmo perceber que a vida pese e esmague; que haja fome; que, depois de uma luta desesperada, sem caminho para onde fugir, sem pão duro, sem coração para pulsar, criaturas pensem:- Para quê viver mais?

O País emigra....

«Nos jornais todos os dias se fala nos engajadores. O engajador é quem facilita a emigração ao campónio e ao simples, tirando-o muitas vezes, se não ao bem-estar pelo menos ao caldo e ao pão da casa paterna, para o atirar para a fome algumas vezes, para a morte quase sempre..

Em geral o lapuz que vai emigrar é preso a bordo e ao larápio que o levou àquela situação nem o incomodam sequer»

Texto retirado de “OS OPERÁRIOS” de Raul Brandão.por

João Brito Sousa

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