sexta-feira, 19 de outubro de 2007

LITERATURA

CAMILO CASTELO BRANCO

AS TRAMÓIAS DO PARLAMENTO


Estou a ler "A Queda dum Anjo", de Camilo Castelo Branco.

Calisto Eloy de Bermudas natural de Miranda chega a deputado e defende o seu círculo eleitoral no Parlamento.. Orçava pelos quarenta e quatro anos e não era desajeitado de sua pessoa. Tinha poucas carnes e compleição, como dizem, afidalgada.

Calisto já se iniciou no Parlamento. Ficou espantado quando soube que o Estado atribuía um subsídio de vinte contos por ano ao Teatro de S. Carlos para manutenção . Dinheiro da res publica, pagar do dinheiro da Nação?... perguntou Calisto ao seu colega de bancada, certamente, pois de quem há-de ser o dinheiro senão da Nação?... ao que Calisto se interrogou, pois eu e os meus constituintes estamos pagando para estas cantilenas do teatro de Lisboa vinte contos de réis por ano?....

Calisto Eloy correu a mão pela fronte humedecida de suor cívico e sentou-se nas escadas da igreja de S. Roque, porque ao espanto, cólera e dor de alma seguiram-se cãibras nas pernas. Minutos depois ergueu-se taciturno, despediu-se do abade colega de bancada e foi para casa.

No dia seguinte Calisto entrou às onze horas na Câmara. Acabava de sentar-se, quando um deputado do Porto se ergueu e disse: Senhor Presidente, muito a meu pesar, e talvez da Câmara, volto de novo a expender as razões já três vezes inutilmente expendidas sobre o dever e justiça com que o Porto reclama um subsídio para o seu Teatro lírico.

Calisto erguendo-se inteiriço e fulminante, pediu a palavra e disse: o representante do Porto expendeu a quarta edição piorada das suas ideais sobre o dever e justiça com que o teatro de S. João reclamava o subsídio e sentou-se.

Calisto fica doido com as tramóias do Parlamento. E quem não ficaria.?....

João Brito Sousa

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