(raul brandão)
A VIDA
Por Raul Brandão
A VIDA
Por Raul Brandão
Não me compreendo nem compreendo os outros. Tudo me parece inútil e agarro-me com desespero a um fio de vida, como um naufrago a um pedaço de tábua.
Nem sei o que é a vida. Chamo vida ao espanto. Chamo vida a esta saudade, a esta dor; chamo vida e morte a este cataclismo. É a imensidade e um nada que me absorve; é uma queda imensa e infinita, onde disponho de um único momento.
Talvez o mundo não exista, talvez tudo no mundo sejam expressões da minha própria alma. Faço parte duma coisa dolorosa, que totalmente desconheço e que tem nervos ligados aos meus nervos, dor ligada àminha dor, consciência ligada à minha consciência.
Estou até convencido que nenhum destes seres existe. Este fel é o meu fel, este sonho grotesco o meu sonho. Estou convencido que tudo isto são apenas expressões de dor e mais nada.
Nós não vemos a vida - vemos um instante da vida. Atrás de nós a vidaé infinita, adiante de nós a vida é finita. A primavera está aqui, mas atrás deste ramo em flor houve uma camada de primaveras de oiro, imensas primaveras extasiadas, e flores desmedidas por trás desta flor minúscula. O tempo não existe. O que eu chamo à vida é um elo, e o que aí vai um tropel, um sonho desmedido que há-de realizar-se. E nenhum grito é inútil, para que o sonho vivo ande pelo seu pé. A alma que vai desesperada à procura de Deus, que era no universo, ensanguentada e dorida, a cada grito se aproxima de Deus. Lá vamos todos a Deus Os vivos e os mortos .
O mundo é um grito. Onde encontrar a harmonia e a calma neste turbilhão infinito e perpétuo, neste movimento atroz? O Mundo é um sonho sem um segundo de paz. A dor gera dor num desespero sem limites.
Eu não sou nada. Sou um minuto e a eternidade. Sou os mortos. Não me desligo disto – nem do crime, nem da pedra, nem da voragem. Sou o espanto aos gritos...
Texto retirado de “Húmus”
Recolha de
João Brito Sousa
Eu não sou nada. Sou um minuto e a eternidade. Sou os mortos. Não me desligo disto – nem do crime, nem da pedra, nem da voragem. Sou o espanto aos gritos...
Texto retirado de “Húmus”
Recolha de
João Brito Sousa
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