quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O REGICÍDIO

(regicídio de 1/Fev/1908)


O REGICÍDIO
Por Raul Brandão.



1 DE FEVEREIRO DE 1908



Está uma tarde linda, azul, morna, diáfana. Converso na livraria Ferreira com o Fialho de Almeida, quando entra esbaforido e pálido o pintor Artur de Melo, que conheço do PORTO e diz num espanto, ainda transtornado: - Acabam de matar agora o rei!
- O quê?! - Eu vi, ouvi os tiros, deitei a fugir...

Fecham-se à pressa os taipais das lojas. Uma mulher do povo exclama: - Mataram agora o rei. Vi os que o mataram. Eram três. Dois lá estão estendidos. Passou agora um agora por mim a rasto, com a cabeça despedaçada!... Há palmas para o lado da Praça da Figueira. Anoitece. Um esquadrão desemboca na rua a Mouraria... mais tarde no comboio, um empregado de Jorge O'Neill confirma: - Vi do escritório um polícia correr atrás de um dos assassinos. A certa altura caiu-lhe o chapéu: era calvo. O polícia varou-o com um tiro.

E pela narração do Melo, do Armando Navarro e de outros que assistiram, reconstituo assim a tragédia:

O comboio descarrilara. Seguia atrasado. Durante o trajecto o rei não fumou nem jogou, como costumava. Vinha apreensivo.

O Malaquias Lemos contou que na véspera, em Vila Viçosa, o rei jogava com o Príncipe. Era ao entardecer. Na chaminé um grande braseiro. Trouxeram-lhe uma carta. Para a ler melhor levantou-se, chegando-se à janela. Duas vezes a percorreu com a vista e depois rasgou-a em bocadinhos que atirou ao lume. Petrificou-se um momento envolto na sombra... - El - rei não joga? - Perguntou o príncipe - Jogo, jogo... - Sentou-se, jogou, mas tão preocupado que quase não jantou nesse dia.

Recolha de

João Brito Sousa

Sem comentários:

Enviar um comentário