quinta-feira, 22 de novembro de 2007

TEXTOS AVULSO

(Raul Brandão)

É PRIMAVERA
Por Raul Brandão



CHEGA Fevereiro.

È Primavera. Dá logo rebate a tojo bravio. A aspereza é a primeira a senti-lo.

O tempo está fúnebre. Ouço o ruído calamitoso das águas. Só os botões dos salgueiros estalaram. Nos galhos despidos entreabrem-se flocos friorentos e peludos.

Corre um vento glacial e as árvores encolheram-se transidas. Mas nesta frialdade sinto já ternura.

O ar de Fevereiro é outro: é morno. As rãs, de barriga no lodo, coaxam de satisfação, pegajosas e moles como a erva verde e húmida.

E, de um dia para o outro, crescem, encastoados na terra negra, fios de erva a reluzir.

O ar sabe bem; sabe a qualquer coisa de bravio.

Ao longe o sol trespassa os montes. Manhã de névoa e oiro gelado. Uma árvore nova cobre-se entontecida da primeira flor. Apressou-se, enganou-se... É uma haste de pele luzidia, três raminho abertos. E isto envolto em ternura tanto faz que se trate duma árvore como duma rapariga.

Sente-se nesta atmosfera húmida a seiva a inchar os botões túmidos das árvores. Volta a chuva gelada: a primavera vem com hesitações.

È Primavera.

Texto retirado de “Humus”
Recolha de
João Brito Sousa

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