terça-feira, 20 de novembro de 2007

O PRIMEIRO ARTIGO PARA OS JORNAIS

(ilha do FAIAL)

PARA O JORNAL ”A AVEZINHA”

EU E PADERNE


O Manuel foi a causa próxima da minha primeira relação com PADERNE. Foi há muitos anos atrás, tinha eu seis ou sete, quando apareceu lá por casa um rapaz natural daí, a pedir trabalho. Eu sou natural da zona das hortas próximas de Faro, mais propriamente do sítio dos Braciais, que dista aí uns cinco kms da capital do distrito e a minha mãe, tinha uma pequena horta onde se semeava o milho, as batatas, o feijão, muitas hortaliças e outros bens alimentares, criava gado e matava-se o porco no Natal e o galo pelo Entrudo. No Verão, o trabalho era muito e as regas ocupavam todo o tempo.

O Manuel deveria ter chegado a minha casa no início dos anos 50 e foi admitido como trabalhador rural. Nessa altura um trabalhador rural já feito, ganhava vinte escudos por dia. Foi na época da forte da emigração para a França e um pouco antes dos alentejanos começarem a descer para o Algarve à procura de trabalho, por causa do aparecimento, da máquina ceifeira (uma história que penso estar ainda por contar), que o Manuel por lá apareceu.

A categoria profissional destes prestadores de serviços era a de “criados”... “Estou a servir na casa de fulano”, diziam, e a remuneração era de cem escudos por mês, comida e hospedagem.


Não era uma profissão invejada, porquanto se situava na dependência de um patrão que, às vezes, se excedia na forma de relacionamento: “Ó Manel, levanta-te lá, pá! Tens que ir buscar palha à eira que o gado precisa de comer e, depois, está a rega daquela folha lá em baixo por fazer.”... coisas assim. Lembro-me muito bem dessa língua de terra, que a minha mãe tinha lá em baixo, aonde às vezes a rega calhava de noite, pois a água vinha de uma nora de cinco ou seis herdeiros, e muitas vezes eu ia com o Manel fazer a rega, de candeeiro de carro na mão, às quatro da matina.

Num certo sentido, tenho saudades desses tempos pois estava a começar a descobrir o mundo, praticava-se trabalho infantil mas os homens faziam-se assim, começavam a tomar consciência da dureza da vida desde muito cedo. Hoje tudo é diferente.

Na história da literatura portuguesa, talvez seja o mestre Aquilino Ribeiro o que melhor retratou o comportamento do nosso povo camponês. É ele que, em “Caminhos Errados”, diz que uma mulher, em linguagem de trama se designa por um peixão, utiliza expressões como “antes de ferrar o galho jogavam à bisca lambida à luz do luar... e que um deles era possuidor da “machadinha de mão que bifara numa granja... “ , chama “pingoleta” a um copo de vinho, etc, etc... É claro que há Júlio Dinis, os “Levantados do Chão” de Saramago, “O Fogo e as Cinzas” de Manuel da Fonseca, o “Manuel Maçores” do Trindade Coelho e se calhar outros...É sobre isto que gostava de falar nas minhas crónicas da próxima vez. Se houver próxima vez, como diz o Luís Represas.

Nunca mais soube nada do Manuel, que deverá ter hoje 67/68 anos, pois ele esteve pouco tempo a trabalhar na nossa casa. Aparecia um patrão que oferecia melhores condições e eles lá iam e o Manuel foi também. Tenho saudades do Manel pois fizemos uma boa amizade, mas perdi-o de vista.


Desejo-lhe um Bom Ano Novo, se ele ainda estiver por aí. E o mesmo para todos os PADERNENSES.

João Brito Sousa.

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