domingo, 11 de novembro de 2007

O CAFÉ ALIANÇA NO MEU TEMPO DE FARO

(café aliança em faro)

O CAFÉ ALIANÇA DO MEU TEMPO .

Falar do Café Aliança situado na rua D. Francisco Gomes, aquilo a que Balzac chamava o «parlamento do povo», «fontes dos pensadores» ou «escolas de saber» é talvez falar de uma das mais importantes casas de negócio e de convívio social e também da casa mais antiga e exigente, em todos os aspectos, da cidade de Faro.

Engraxadores eram três, o senhor Américo, a quem eu solicitava o serviço e mais dois, todos eles de impecável e irrepreensível presença profissional. Ali não havia bocas nem sorrisos fáceis. A imagem firme do café começava nos engraxadores,

Os empregados de serviço às mesas eram muitos mas recordo apenas o senhor Ilídio.
O proprietário, José Pedro da Silva, apresentou o projecto de construção na Câmara Municipal de Faro, em 1930 e o café instalou-se no piso do rés do chão, num edifício de três andares, constituindo ainda hoje um interessante testemunho da arquitectura revivalista.

Quem entrar no café pela porta em frente ao edifício da CGD, depara-se com uma sala de estar que oferece um acolhimento invejável. Segue-se a copa onde os empregados registam os pedidos dos clientes e os satisfazem. Seguindo-se em frente e depois de se subir dois ou três degraus estamos perante uma elegante sala de chá.. Em frente à copa e em direcção a saída, à esquerda foi, durante muitos anos, a sala de bilhar e penso que também de dominó onde se realizaram grandes partidas de bilhar, à direita são os lavabos Segue-se um pequeno quiosque de jornais e outros e é tudo.

Dos papéis que consultei, pude apurar que o Café Aliança é o terceiro mais antigo do País, tendo estreado há pouco tempo uma galeria de famosos onde se pode almoçar entre recordações de grandes valores da cultura como diz Viegas Gomes, em artigo publicado no DN.

Diz Teodomiro Neto no http://cafealianca.blogspot.ccm

“Dos mais de duzentos cafés e afins que existem actualmente na capital algarvia, só o Aliança tem a memória dos tempos; um café que percorreu um século. Por isso o seu percurso é histórico. Diz-se que nos anos cinquenta as senhoras só frequentavam o café `a noite, quando acompanhadas dos esposos.

Foi, sem dúvida, neste café que muita da história contemporânea da cidade se pro­duziu. Basta saber quem por lá passou, o que escreveram sobre a cidade, sobre as idei­as, a poesia, a política e o que neles por sua vez passaram, bastava para um grande volume sobre a história da cidade”.

São dum picante auditivo as gazetilhas repentistas que se escutam no "Aliança" e que depois a imprensa local democratiza:

"Dom Pavão republicano,
Dom Pavão o gritador,
Gritador das Havanezas.
À porta do 'Aliança'
Clama as suas proezas.
Depois de barafustar
Em plena monarquia,
Posto em muita folia,
Só com mira de pescas,
Dom Pavão pr'a figurar
Berra cheio de furor.
Que à República tem amor!
E é todo republicano...!
Que tal está o magano!
Dom Pavão, o gritador."

Fez história a mesa de veteranos constituída por Rita da Pal­ma, João Nobre, Maurício Monteiro, Ferreira d'Almeida, Almeida Carrapato e outros que se perderam no tempo e ainda o Sr. António, que tinha a responsabilidade de acomodar, em volta do Jardim, todos os automóveis que, os "mi­lionários" da economia algarvia, conduziam para as reuniões das quartas e sextas, onde nesses dias o bulício era muito característico pelas discussões lideradas pe­lo carismático Teófilo Fontainhas Neto, o grande impulsionador da economia contem­porânea algarvia, em que os demais parcei­ros, Neves Pires, Pegos, Ramires, etc, escutavam o líder, mesmo nas rivalidades de negociantes.

Assim foi durante três décadas, duas vezes por semana, o "Aliança" fervilhava, sem que as tertúlias literárias, desportivas (com os manos Barão à cabeça, Jorge Cachaço e outros..) cul­turais e sociais se perdessem.

E porque sempre no "Aliança" a poesia foi objecto de grandes momentosa, a sua maior importância e criação, sempre escutou a poesia do maior poeta que por lá passou, António Ramos Rosa.

O General Humberto Delgado, grande opositor ao ditador Salazar, obrigou, pela sua passagem por Faro, em 1958, as auto­ridades a fecharem o "Aliança", tal a agitação política, nessa noite, pelo café.

Sobre o pesado tampo de mármore da mesa do café, o bojudo açucareiro, de então, adoçava os amargos da vida e as bisbilho­tices de certa clientela. Pelo "Aliança" se inspiraram amadores do teatro farense: as revistas, as comédias e os dramas.Na boémia de Raul de Matos, na másca­ra de Féria Pavão, no picante de Silva Nobre, quanto não se escreveu e inventou teatro li­geiro, nas mesas do "Aliança" ?!Depois, no rolar do tempo, com Emílio Campos Coroa, esse poder e força de dizer, ali mesmo na melancolia dum brandy.

Já toda a simpatia da clientela ia pelo Aleixo, o vendedor de cautelas, o grande poe­ta do futuro. António Aleixo vagueava pelo "Aliança" num à vontade familiar. Repenti­namente fazia uma quadra em troca dum copo de leite ou de dez escudos, ou de coisa nenhuma.

O poeta que, no fundo, muito embora seja um revoltado, é a chaga aberta do sofri­mento íntimo, provocado por certas injusti­ças, a fonte dos seus desabafos.Com efeito, não pode ser mais pessoal, e mais subtilmente dado a dor de um ho­mem que tem filhos a sustentar com o mí­sero ganho de meia dúzia de cautelas por semana e vê todos os dias ir morrendo, sem possibilidade de assistência, uma filha tu­berculosa:”

Isto é o mínimo que se pode dizer do CAFÉ ALIANÇA.

Respeitosamente,

João Brito Sousa..

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