quinta-feira, 29 de novembro de 2007

ALÓ PATACÃO

(luanda)

ALÓ PATACÃO


Ao AMÉRICO DO VALE,

que conheceu perfeitamente bem esta roça, que penso ser propriedade do Bento Serrenho e do irmão Manuel.

O Bento está hoje em Beja, é tio do meu amigo Dr. Rui Rodrigues e casado com a minha prima Carminha.

A ROÇA DO BENTO SERRENHO EM ANGOLA


POEMA DE AMOR
de Jorge Macedo

Adoro-te, África semente,
amor profundo,
nobre fruto do meu eu vivente.

Adoro a calidez das tuas tranças,
manta preta do meu primeiro calafrio.

E o dorso largo em que dormi o sono infantil
e acordei já homem feito.


AMÉRICO, VÊ LÁ SE RECONHECES A ROÇA DA TUA JUVENTUDE.


A ROÇA DO RODRIGUES & IRMÃO, dos BRACIAIS


A roça Rodrigues & Irmão ficava a 80 kms do Terreiro, Posto de Bolongongo, próximo da

nascente do rio Dange numa zona de pequenos fazendeiros de café feitos a braço próprio. Os

próprios fazendeiros viviam no centro da zanzala de contratados Bailundos numa casa tipo

cubata melhorada de paredes caiadas. Era uma zona bastante inóspita onde a água tinha de ser

filtrada e tratada a "alozone", mesmo assim do pelotão destacado, ao fim dos quinze dias

previstos, metade do pessoal já tinha contraído paludismo.

Foi neste local que passei o Natal de 1962 e pude assistir à festa que os cerca de cem

contratados bailundos da roça, homens mulheres e crianças, fizeram para comemorar o fim do

contrato e o regresso às suas aldeias natais no Sul. Na cantina da roça fazia-se a multiplicação do

vinho do barril com água, mesmo assim os contratados comeram e beberam da mistura o

suficiente para aquecer alegrias corpos e cânticos.


Todos, homens, mulheres e crianças sairam para o terreiro, formaram grupo, e iniciaram um

cântico-de-graças pelo regresso à aldeia e casa nativa, feito de vozes, tambores rudimentares,

latas, tábuas, pedras, palmas e assobios. Entusiasmado, peguei no gravador mono "okicorder"

que tinha comprado em Luanda um ano antes, e acompanhando o desfile cantante à volta da

sanzala fui gravando a melodia de contentamento dos contratados.


Texto retirado de APCGorgeios


POEMA DA ALIENAÇÃO
de Antonio Jacinto


Não é este ainda o meu poema
o poema da minha alma e do meu sangue
não

Eu ainda não sei nem posso escrever o meu poema o grande poema que sinto
já circular em mim.

O meu poema anda por aí vadio
no mato ou na cidade
na voz do vento no marulhar do mar
no Gesto e no Ser

O meu poema anda por aí fora
envolto em panos garridos
vendendo-se
vendendo

“ma limonje ma limonjééé”

O meu poema corre nas ruas
com um quibalo podre à cabeça

oferecendo-se
oferecendo

"carapau sardinha motona jí ferrera ji ferrerééé”

O meu poema calcorreia ruas
“olha a probíncia” “diááário”
e nenhum jornal traz ainda
o meu poema

O meu poema entra nos cafés
“amanhã anda a roda amanhã anda a roda”
e a roda do meu poema
gira que gira
volta que volta nunca muda

“amanhã anda a roda
amanhã anda a roda”

O meu poema vem do Musseque
ao Sábado traz a roupa
à Segunda leva a roupa
ao Sábado entrega a roupa e entrega-se
à Segunda entrega-se e leva a roupa

O meu poema está na aflição
da filha da lavadeira
esquiva
no quarto fechado
do patrão nuinho a passear
a fazer apetite a querer violar


O meu poema é quitata
no Musseque à porta caída duma cubata

“remexe remexe
paga dinheiro
vem dormir comigo”

O meu poema joga a bola despreocupado
no grupo onde todo o mundo é criado
e grita

“obeçaite golo golo”

O meu poema é contratado
anda nos cafezais a trabalhar
o contrato é um fardo
que custa a carregar

“managambééé”

O meu poema anda descalço na rua

O meu poema carrega sacos no porto
enche porões
esvazia porões
e arranja força cantando

“tué tué trr arrimbuim puim puim”

O meu poema vai nas cordas
encontrou cipaio
tinha imposto, o patrão

esqueceu assinar o cartão
vai na estrada
cabelo cortado

“cabeça rapada
galinha assada
ó Zé”

picareta que pesa
chicote que canta

O meu poema anda na praça
trabalha na cozinha
vai à oficina
enche a taberna e a cadeia

é pobre roto e sujo
vive na noite da ignorância
O meu poema nada sabe de si
nem sabe pedir

O meu poema foi feito para se dar
para se entregar
sem nada exigir

Mas o meu poema não é fatalista
o meu poema é um poema que já quer

e já sabe

o meu poema sou eu-branco
montado em mim – preto
a cavalgar pela vida


Recolha de
João Brito Sousa

1 comentário:

  1. João,
    É motivo de ficar contente o facto do meu relato dobre os contratados de roça angolanos te inspirarem a leitura e postura de dois bons poemas que descrevem com beleza a riqueza humana que havia no "contratado".
    Aproveito para te agradecer as felicitações pelos meus anos e os comentários ao meu livro "Esquadrão149, a Guerra e os Dias". E a talhe de foice, creio que quando leres todo o livro nele encontrarás vários poemas, com menos riqueza poética certamente, mas com a mesma sensibilidade e mensagem sobre o Contratado ou a Mãe Preta ou a preta em geral.
    Um abraço do Adolfo.

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