sexta-feira, 16 de novembro de 2007

REFLEXÃO FILOSÓFICA

(Aquilino, Raul Brandão, Câmara Leal, Régio..)

“UM SENTIDO PARA A VIDA...”
O texto é de Raul Brandão, in ' Se Tivesse de Recomeçar a Vida '

“Valeu-me a pena viver? Fui feliz, fui feliz no meu canto, longe da papelada ignóbil. Muitas vezes desejei, confesso-o, a agitação dos traficantes e os seus automóveis, dos políticos e a sua balbúrdia - mas logo me refugiava no meu buraco a sonhar. Agora vou morrer - e eles vão morrer.

A diferença é que eles levam um caixão mais rico, mas eu talvez me aproxime mais de Deus. O que invejei - o que invejo profundamente são os que podem ainda trabalhar por muitos anos; são os que começam agora uma longa obra e têm diante de si muito tempo para a concluir. Invejo os que se deitam cismando nos seus livros e se levantam pensando com obstinação nos seus livros.

Não é o gozo que eu invejo (não dou um passo para o gozo) - é o pedreiro que passa por aqui logo de manhã com o pico às costas, assobiando baixinho, e já absorto no trabalho da pedra.

Se vale a pena viver a vida esplêndida - esta fantasmagoria de cores, de grotesco, esta mescla de estrelas e de sonho? ... Só a luz! só a luz vale a vida! A luz interior ou a luz exterior. Doente ou com saúde, triste ou alegre, procuro a luz com avidez. A luz é para mim a felicidade. Vivo de luz. Impregno-me, olho-a com êxtase. Valho o que ela vale. Sinto-me caído quando o dia amanhece baço e turvo. Sonho com ela e de manhã é a luz o meu primeiro pensamento. Qualquer fio me prende, qualquer reflexo me encanta. E agora mais doente, mais perto do túmulo, busco-a com ânsia.

O HOMEM

Raul Germano Brandão foi um escritor português nascido na Foz do Douro no Porto em 1867 e falecido em Nespereira, Guimarães em 1930.

Frequentou no Porto o Curso Superior de Letras e matriculou-se depois na Escola do Exército para satisfazer a vontade da mãe. Assentou praça em 1888, sendo promovido a alferes em 1896 e vindo a reformar-se na posição de Major em 1912.

COMENTÁRIO: Acho extraordinário este texto de Raul Brandão. Um homem que não conseguiu uma expressão literária por aí além nas letras portuguesas e escreve com tão elevada clareza e com aquelas ideias tão arrumadinhas.

É evidente nele o receio da morte (pelo menos parece-me ) e refugia-se em Deus. É um refúgio sem sentido pois Deus abandonou-nos muito cedo. Infelizmente andamos todos à deriva e a fazer-nos mal uns aos outros. E a culpa é de Deus que não nos ajuda a ser melhores, porque simplesmente não há Deus.

Em vez de Deus ponhamos no nosso coração no trabalho. Através dessa via conseguimos ser felizes. É a única. Contrariamente ao que diz RB não há nunca muito tempo para concluir nada. A vida é tão ingrata que nos dá apenas o gozo de vivermos o presente... mas esse também já passou. Mas só o trabalho nos pode trazer companhia e moldar o nosso carácter. E tornar-nos felizes.

Identifico-me com esta frase de RB:- “ Invejo os que se deitam cismando nos seus livros e se levantam pensando com obstinação nos seus livros.”

João Brito Sousa

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