(luanda)ALÓ PATACÃO
Ao AMÉRICO DO VALE,
que conheceu perfeitamente bem esta roça, que penso ser propriedade do Bento Serrenho e do irmão Manuel.
O Bento está hoje em Beja, é tio do meu amigo Dr. Rui Rodrigues e casado com a minha prima Carminha.
A ROÇA DO BENTO SERRENHO EM ANGOLA
POEMA DE AMOR
de Jorge Macedo
Adoro-te, África semente,
amor profundo,
nobre fruto do meu eu vivente.
Adoro a calidez das tuas tranças,
manta preta do meu primeiro calafrio.
E o dorso largo em que dormi o sono infantil
e acordei já homem feito.
AMÉRICO, VÊ LÁ SE RECONHECES A ROÇA DA TUA JUVENTUDE.A ROÇA DO RODRIGUES & IRMÃO, dos BRACIAISA roça Rodrigues & Irmão ficava a 80 kms do Terreiro, Posto de Bolongongo, próximo da
nascente do rio Dange numa zona de pequenos fazendeiros de café feitos a braço próprio. Os
próprios fazendeiros viviam no centro da zanzala de contratados Bailundos numa casa tipo
cubata melhorada de paredes caiadas. Era uma zona bastante inóspita onde a água tinha de ser
filtrada e tratada a "alozone", mesmo assim do pelotão destacado, ao fim dos quinze dias
previstos, metade do pessoal já tinha contraído paludismo.
Foi neste local que passei o Natal de 1962 e pude assistir à festa que os cerca de cem
contratados bailundos da roça, homens mulheres e crianças, fizeram para comemorar o fim do
contrato e o regresso às suas aldeias natais no Sul. Na cantina da roça fazia-se a multiplicação do
vinho do barril com água, mesmo assim os contratados comeram e beberam da mistura o
suficiente para aquecer alegrias corpos e cânticos.
Todos, homens, mulheres e crianças sairam para o terreiro, formaram grupo, e iniciaram um
cântico-de-graças pelo regresso à aldeia e casa nativa, feito de vozes, tambores rudimentares,
latas, tábuas, pedras, palmas e assobios. Entusiasmado, peguei no gravador mono "okicorder"
que tinha comprado em Luanda um ano antes, e acompanhando o desfile cantante à volta da
sanzala fui gravando a melodia de contentamento dos contratados.
Texto retirado de APCGorgeios
POEMA DA ALIENAÇÃO
de Antonio Jacinto
Não é este ainda o meu poema
o poema da minha alma e do meu sangue
não
Eu ainda não sei nem posso escrever o meu poema o grande poema que sinto
já circular em mim.
O meu poema anda por aí vadio
no mato ou na cidade
na voz do vento no marulhar do mar
no Gesto e no Ser
O meu poema anda por aí fora
envolto em panos garridos
vendendo-se
vendendo
“ma limonje ma limonjééé”
O meu poema corre nas ruas
com um quibalo podre à cabeça
oferecendo-se
oferecendo
"carapau sardinha motona jí ferrera ji ferrerééé”
O meu poema calcorreia ruas
“olha a probíncia” “diááário”
e nenhum jornal traz ainda
o meu poema
O meu poema entra nos cafés
“amanhã anda a roda amanhã anda a roda”
e a roda do meu poema
gira que gira
volta que volta nunca muda
“amanhã anda a roda
amanhã anda a roda”
O meu poema vem do Musseque
ao Sábado traz a roupa
à Segunda leva a roupa
ao Sábado entrega a roupa e entrega-se
à Segunda entrega-se e leva a roupa
O meu poema está na aflição
da filha da lavadeira
esquiva
no quarto fechado
do patrão nuinho a passear
a fazer apetite a querer violar
O meu poema é quitata
no Musseque à porta caída duma cubata
“remexe remexe
paga dinheiro
vem dormir comigo”
O meu poema joga a bola despreocupado
no grupo onde todo o mundo é criado
e grita
“obeçaite golo golo”
O meu poema é contratado
anda nos cafezais a trabalhar
o contrato é um fardo
que custa a carregar
“managambééé”
O meu poema anda descalço na rua
O meu poema carrega sacos no porto
enche porões
esvazia porões
e arranja força cantando
“tué tué trr arrimbuim puim puim”
O meu poema vai nas cordas
encontrou cipaio
tinha imposto, o patrão
esqueceu assinar o cartão
vai na estrada
cabelo cortado
“cabeça rapada
galinha assada
ó Zé”
picareta que pesa
chicote que canta
O meu poema anda na praça
trabalha na cozinha
vai à oficina
enche a taberna e a cadeia
é pobre roto e sujo
vive na noite da ignorância
O meu poema nada sabe de si
nem sabe pedir
O meu poema foi feito para se dar
para se entregar
sem nada exigir
Mas o meu poema não é fatalista
o meu poema é um poema que já quer
e já sabe
o meu poema sou eu-branco
montado em mim – preto
a cavalgar pela vida
Recolha de
João Brito Sousa