quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

UM CONTO de ZÉ MARIA OLIVEIRA

(jardim de talve z boninas)

O JARDINEIRO DAS BONINAS

“O APRENDIZ DE ALZHEIMER”
(de Zé Maria Oliveira)


PARTE II

Com o tempo apetecia-lhe cada vez falar menos, e ia também desligando-se de pequenos hábitos desnecessários que o caracterizaram, a vida inteira... os filhos viam-no assim deste modo a “alhear-se” e começavam a andar preocupados, acabaram por levá-lo a meia dúzia de médicos e o último rematou com grande sapiência entre dentes, mas que ele conseguiu ouvir – È Alzheimer! Não há dúvidas! E quem seria eu para desconfiar daquela eminência parda, a que chamavam doutor ?

No fundo deu-me uma imensa vontade de rir, aquelas preocupações, as outras, mais veladas, para saber a quem “o velho” iria deixar as massas , as casas, as meia dúzia de acções e uns cantos cacos de família que se recusava a tirar da velha vivenda onde de vez em quando ia, pois o neto, que já tinha carta, levava-o lá à surdina, sem que ninguém soubesse, a não ser os outros netos, que sempre o adoraram e trataram por avô, num tom, que ele, todo dado às músicas, não deixava de estremecer como se fosse a sua ausente mãe quando o embalava em criança... sim porque também ela depois endureceu e não ara mais do que uma das muitas mães, sem tempo para nada, de tal modo o espelho, as amigas, e o conferir as cadernetas com o meu pai lhe assoberbavam o tempo! ... Mas aquela “do Alzheimer” era demais... e que diabo: é que vinha mesmo a calhar, talvez agora com o estatuto de “parvoíce galopante” se pudesse começar a “vingar” em pequenas doses, (porque no fundo nunca fora rancoroso), das pulhices que as noras e os filhos de vez em quando lhe fossem fazendo e que ele não gostava, que diabo! Porque não merecia!!!

Uma vez foi dar um passeio pelos arredores, entreteve-se a falar com um velho colega de escola que caíra na mendicidade e veio às quinhentas, foi o fim do mundo, tiveram-no guardado cinco dias e cinco noites.. depois começou a fazer-se desentendido às conversas, sobretudo quando não lhe interessavam, ou então quando lhe perguntavam onde tinha o dinheiro, quanto tinha, quando fazia testamento... e que “merda” há mais de um ano que não sabia o que era um leite creme que ele tanto adorava, não fossem os doces que lhe traziam os netos às escondidas e estava feito! Para eles nunca faltara a massa, aliás já tinha feito o testamento em nome dos três netos, às escondidas, e deixava uma velha casa a um amigo de infância, um pouco mais novo do que ele e que nunca dera meia para a caixa, sempre com a mania que era poeta e só tinha uma reforma de 25 contos, de 1quatro anos passados na guerra colonial donde veio meio passado!

Merdas do “socialismo” do nosso quotidiano!

Agora aquela do Alzheimer era demais: Começou a dizer o que pensava, a fazer o que gostava, inclusivamente um dia pregou uma lambada na nora mais velha que tinha a mania que era filha de gente fina, e andava há uns tempos a ornamentar o palerma do filho, esquecendo-se que sempre fora bem tratada e que viera para casa dele com uma mão à frente o outra atrás...quase que aposto que nem trouxera cuecas!

Quanto aos medicamentos que lhe davam, para “o Alzheimar”, metia-os debaixo da prótese palatal e quando ia à retrete: - Pia com eles!

No fundo de si próprio sentia-se bem, resistente, cheio de apetite... mas na frente dos filhos e doutros estranhos “cada vez mais tolo e esquecido” e agora aprendera a armar-se em surdo – era um sucesso, as coisas que ouvia!!!... e então se apareciam lá em casa dos filhos alguns dos pindéricos amigos que tinham a mania que eram “ingleses” – só dizia baboseiras, e de vez em quando até partia um copo! Uma vez peidou-se (estava a casa cheia de gente fina), foi o fim da macacada! Era um espectáculo; perdão: a doença!

Foi-se habituando “aquilo”, e lá por dentro, cada vez rejubilava mais nos seus 84 anos. Adorava passear com os três netos mais velhos, pelos campos ou quando iam de carro, a alguma petiscada clandestina. Por vezes vinha à noite, com os netos do meio para o jardim, e se estivesse só com eles perdia a seu ar de ché-ché, deixando no salão os filhos ou a fazer contas de cabeça aos seus dinheiro, e olhava então para o céu estrelada e ia dissertando para os netos embevecidos: Olha Catarina aquela estrela além brilhante é Siriús, uma estrela dupla... mais além vês, aquele “molhinho”, são as Pleíades, e falava depois sobre os “deuses” que andavam lá por cima, enquanto para os seus botões, ia contando a história maravilhosa dum velho de cabelos brancos), que descobrira a Totalidade da Vida e que uma bela noite de verão... resolveu adormecer no Universo!

Recolha de
João Brito Sousa

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