quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

UM CONTO do ZÉ MARIA OLIVEIRA (parte 1)

BOM ANO NOVO PARA TODOS

O JARDINEIRO DAS BONINAS

“O APRENDIZ DE ALZHEIMER”

(por Zé MARIA OlIVEIRA)

Fimósio Lopes olhou para traz deixando a perder de vista o vale florido donde partira à cerca de duas horas.

Sentia-se bem nos seus oitenta e quatro anos. Sempre tivera saúde e não se podia queixar da vida que sempre lhe fora gratificante – talvez por nunca ter sido demasiado exigente - pois no fundo a única coisa que lhe “doía” um pouco era a ingratidão dos filhos, que normalmente esquecem o que fazemos por eles e que após duas tentativas falhadas para o enclausurarem num lar, desses tipo penitenciária, que há para aí às centenas, acabaram por ter do aceitar em regime de internamento rotativo a dividir por quatro: Assim, ao fim de quatro meses descrevia ele, como dizia de brincadeira, o seu movimento de translação, pois as casas de cada filho eram como as quatro estação do ano:

A casa da filha mais velha, divorciada, com dois filhotes de onze e treze anos era a Primavera: Os miúdos ajudavam, a filha não o chateava muito e ele gostava dos ensinar naquilo que sabia...depois vinha o Verão, o filho mais velho continuava igual a ele, trabalhava que nem um cavalo de quinta tinha um filho de 22 anos e a mulher era uma chóninha que só pensava em modas e era seca de emoções que nem a mãe dela, com quem já tivera alguns desaguisados e que passava os dias lá em casa, a chatear tudo e todos desde que enviuvara... e aquilo andava sempre quente lá por casa.

Seguia-se o Outono: a casa da sua filha mais nova – acolhedora e embora tivesse bom ambiente nunca estavam em casa, pois ela vivia com o namorado no Barreiro, que trabalhava em artes gráficas, ao que consta com algum sucesso; mas era tudo gente muito atarefada. Tinham um lindo bebé, o Diogo que ficava todos os dias no infantário. Seguia-se finalmente o Inverno a casa da sua irmã mais nova que, em troca dum empréstimo para a compra do último carro, ia para três anos, e que nunca lhos pagou, acedeu a tê-lo lá em casa de quatro em quatro meses... tudo isto uma pechincha!

E já andava por esta vida ia para cinco anos desde que a mulher, dez anos mais nova que ele, lhe deu na veneta e com os pés e foi viver para casa dum antigo gerente bancário, reformado. Um pulha qualquer que gastava a reforma toda na batota... Também não se perdeu nada, tenho para mim que andou para trás!

Mas começava a estar farto disto tudo, as conversas dos filhos não passavam dum chorrilho constante de futilidade vazias e aquela agressividade com que falavam com ele quando aparecia de malas aviadas e de que já há muito reparara, começava a chateá-lo... também as leituras que outrora adorava fazer, pois andava sempre com uma boa dúzia de livros às costas e a velha máquina fotográfica com que gostava de fotografar os netos, pouco ou nada lhe diziam agora, verdades de há trinta anos tinham ido todas por água abaixo, tudo mudava, e ele que sempre gostara de ”verdade consistentes” assistiu ao longo de meio século como elas se esgueiravas por entre ou dedos desfeitas qual torrão de areias movediças.

No fundo ninguém continuava a saber nada de nada e o resto da informação que lhe chegava era aquela profusão de ladainhas abonecadas, em que a Internet dos seus tempos de moço, se transformara, pior que uma droga de 24 quilates!
(continua)
recolha de
João Brito Sousa

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