sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

CONTOS DO NORTE


BOM ANO NOVO PARA TODOS
EM CASA DO ZÉ ESTEVES


CENAS DO CAMPESINATO
por JOÃO BRITO SOUSA

O Zé Esteves tinha, dentro de casa, a artilharia toda preparada para o acontecimento . A azáfama dos alguidares e panos e mais isto e mais aquilo, era conduzido pela velha Alzira, amiga antiga lá de casa que era a única que dava ordens ao Esteves, ou Estevinha, exercendo sobre ele um certo ascendente. Porque o Zè Esteves quando era mais novo fazia das dele e um dia atirou-se a ela ...

Ainda hoje quando se cruzam, quer seja em casa quer seja na estrada ou na rua, os olhares cruzam-se e o Estevinha ficava a perder. Ah Estevinha dum raio que eu te esmago ó ladrão... ainda não me explicaste bem essa coisa de lá teres ido à courela... mas um dia vais explicar ah isso vais... Essa era uma conversa a fazer a recato, quando os dois estivessem em condições disso. Hoje não. Hoje era dia de matança do porco e havia muito trabalho a fazer. E quem percebia daquilo era a Alzira..

O Zé Esteves andava por ali numa fona, recebia um recebia outro, era um homem feliz, foi sempre assim, grande vozeirão, ó compadre venha cá homem, e punha-se a cantar aquela canção da raia, fui à Espanha e vi umas espanholas, que tocavam bem pandeiro e castanholas...o meu compadre Estevinha é um homem único no mundo, uma vez meteu dez na cadeia por causa do contrabando e, quando estava de folga lá no serviço, ia às feiras, pegava na carrinha, carregava –a de batatas ou de qualquer outra coisa que tivesse à mão e lá ia, sozinho ou com a patroa, com um objectivo bem definido e que era o de trazer dinheiro para casa. E trazia sempre....

A mulher, a minha comadre Virgínia, trabalhava em casa e fora, era transmontana de gema, sorriso aberto e franco, mas não dava conta do Esteves, estou farta do meu Zé, aquilo é um cão, dizia ela, ó Zé gritava-lhe, leva os alguidares aí para à beira do das Bouças para ele aparar o sangue do bicho... ó homem vê lá se te despachas com as coisas, daqui a pouco o das Bouças já está bêbado, já viste.. já bebeu cinco ou seis cachaças, daqui a pouco não se aguenta nas canetas..

Era uma casal à maneira estes meus compadres.. Tanto ele como ela herdaram dos progenitores o hábito pelo trabalho do campo, acerca do qual sabiam todo, tinham um carinho especial por ele, pois era do campo que lhe vinha o manancial todo. Foram gerações e gerações a trabalhar a terra, com alguma emigração `a mistura.

Os homens e as mulheres, nascem por um acaso biológico, numa terra qualquer, normalmente aquela onde trabucam os que os fizeram e depois vem o constatar de uma realidade que é estar vivo e ter de arranjar mecanismos para sobreviver e percorrer essa caminhada que temos pela frente, acerca da qual ninguém nos disse nada. Mas já vi pior, as girafas, quando nascem e põem os pés em terra, nem sequer têm tempo para pensar onde é que raio estão; é andar rápido e em força. ...E às outras espécies acontece a mesma coisa.

Os homens que tinham sido convidados para a operação matança iam chegando na manhã fria, enrolados em capotes e de boina grossa na cabeça, bem dispostos, davam umas palmadas nas costas uns dos outros, aqueciam-se assim e depois iam ver o bácoro e diziam para o Esteves.. ah ladrão que bela peça que ali tens e diziam .... óh Esteves, queres quinhentas notas pelo animal.....olha que é dinheirinho `a vista, a gente mata-o aqui na mesma, mas as carnes vão já para a minha casa em vez de ir para a tua. Que é que achas ó Zé Esteves?

(continua)
Por
JOÃO BRITO SOUSA

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