quinta-feira, 13 de março de 2008

O REBANHO E O VENCESLAU


O REBANHO ...

Quando eu era puto, tinha um grande fascínio pelo rebanho de ovelhas que passava à porta da casa da minha mãe. O rebanho era de propriedade do homem do talho dali da terra, o senhor “Inaicinho” e o pastor era o Venceslau, um camarada aí da minha idade ou talvez um ano ou dois mais velho do que eu. Já era calvo apesar de jovem, mas tinha tido uma doença qualquer. Apesar disso, era, além de pastor, um grande atleta de fundo no atletismo e nesta disciplina batia-se com os melhores. Tinha outra particularidade: não sabia ler nem escrever e gostava muito de ir ao cinema ver filmes de cowboys americanos com legendas. E dizia, quando ia ao cinema: foi daqui, enquanto apertava o fundo da orelha com o polegar e o indicador simultaneamente.

Mas o melhor que o Venceslau tinha era o manejo da funda de pastor. A funda mais o cão, são duas ferramenta indispensáveis para o pastor conduzir o rebanho. Nem sempre o Venceslau era acompanhado do cão mas a funda era indispensável. Manejava-a como um campeão. Ovelha que saísse tresmalhada logo o Venceslau lhe dava o avio, com uma pedrada no meio do lombo. Éhi oveeeelha... vem cá oveeeelha... óih... e a ovelha vinha ao sítio. Mas a beleza da operação estava na utilização da funda, que, diga-se, tem a sua arte. Mas para o Venceslau, que não sabia ler e percebia melhor que muitos, as legendas em português de um filme de cowboys tipo “RIO BRAVO” com o John Wayne, Dean Martin, Ricky Nelson e o velho cowboy que guardava o xerifado, falado em inglês, aquilo era canja. A bala (pedra ou outra coisa qualquer, um torrão....por exemplo), era apanhado do chão, com elegância única, e era introduzida no fundo da funda. De seguida, uniam-se as extremidades da dita, que no fundo era uma corda com aí um metro de comprimento que tinha uma boceta no meio- com o intuito de aconchegar a pedra ou torrão- que iriam ser utilizados como balas. Então era ver o pastor colocar a pedra no sítio e dar três voltas à funda, largando uma das hastes depois, para dar a possibilidade à pedra de sair, acto acompanhado de um... aí oveeeelha. Era um momento de rara beleza. Era por causa disso que eu gostava de ser pastor.

Ainda comecei a treinar o manuseio da funda com o Aníbal Conquilha mas cedo verifiquei que não tinha futuro como pastor, pois não dava nada naquele exercício. Decididamente, a arte nunca teve nada a ver comigo.

Havia ainda outras espécies de fundas de brincar, como a funda de David, que eram feitas pela miudagem, e essas eu sabia fazer e era assim. Cortava-se uma pernada de um árvore que tivesse uma derivação em vê e depois, arranjava-se uns elásticos e um bocado de cabedal, que funcionava como buceta e era onde se colocavam as pedras a atirar. Depois com os apetrechos em nosso poder, ligavam-se os elásticos à pernada da árvore em vê, que já tínhamos, e faziamos o mesmo à buceta e a funda ficava assim operacional. Penso que perceberam.

O Aníbal Conquilha era barra nisso de atirar pedras com a funda e uma vez disse-me: Ó João, põe-te lá aí com este bocado de ardósia na mão que eu com a funda despedaço isso tudo. E eu, garbosamente, homem corajoso, peguei na ardósia com a mão direita e estiquei o braço. E o Aníbal escaqueirou a ardósia. Quando me lembro disto arrepio-me todo... pois o Aníbal podia ter-me escaqueirado a mim. Mas não tinha que ser.

Os rebanhos e as fundas ... coisas da minha infância. Ó tempo volta para trás. Dá-me tudo o que eu perdi...

João Brito Sousa

2 comentários:

  1. Boa Tarde,

    Tudo o que aqui está descrito, foram coisas que eu vivi e que agora recordo através deste seu relato!
    Gostei das recordações.Obrigado.

    AGabadinho

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  2. Amigo João.
    Não deixo dar um toque nessa personagem que foi o nosso amigo Vensçelau .
    Pois ele até foi guada-redes do nosso clube o Patacão

    João Patuleia

    16 de Março de 2008

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