terça-feira, 4 de março de 2008

DA IMPRENSA/ JN PORTO / 2008.03.04

(António Manel Pina)

O CANTINHO DO PINA

Por outras, palavras,
Manuel, António, Pina

Não sei o que é mais chocante na afirmação do cardeal patriarca ao "Sol" segundo a qual, com a queda da natalidade em Portugal, "a sociedade fica aberta a ser ocupada por gente vinda do terror", se o facto de D. José Policarpo pensar isso se, pensando-o, não ter pejo em dizê-lo.

A expressão "gente vinda do terror" não é inocente; o cardeal não se refere a imigrantes chegados de lugares dolorosamente marcados pela miséria e a violência, não é esse o "terror" a que se refere, ou não apresentaria a situação como perigo (com ela, os cristãos portugueses até poderiam capitalizar boas acções com dividendos certos na bolsa da Salvação; pois não chamou Cristo a si os pobres e os andrajosos?).

A palavra "terror" é mais óbvia trata-se de estrangeiros e pobres, que se amontoam em bairros suburbanos e não comungam nem vão à missa, isto é, "terroristas" ou delinquentes. Pior: têm "outra" cultura. Por isso, diz o cardeal, "já há sociedades europeias a braços com a multiculturalidade", como se a multiculturalidade fosse uma epidemia a erradicar. Às vezes as nossas palavras dizem mais que nós; porque é nelas, e não na razão calculista, que pulsa o coração, "o coração revelador" como diria Poe.

E o coração das palavras do cardeal está cheio de sombras terríveis

Publicação de

JOÃO BRITO SOUSA


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