domingo, 2 de março de 2008

DA IMPRENSA/ EXPRESSO, 2008.02.18

(jogo de futebol)

CHEIRA A PODRE
Por Fernando Madrinha/ Expresso/2008.02.18.

Um homem é brutalmente agredido num parque de estacionamento e vem dizer que, tendo apresentado queixa à Justiça dois dias depois, só um ano passado sobre a agressão lhe foram pedidos exames médicos para a comprovar. O país ouve e espanta-se - ou já nem isso, tantos são os casos estranhos com que a Justiça portuguesa nos brinda semana após semana. Mesmo assim, o absurdo tem limites e tudo aquilo que a compreensão e a razoabilidade não alcançam só pode tornar-se suspeito.

O homem era, ao tempo, vereador do PS à Câmara de Gondomar, presidida por um eleito do PSD e figura grada do futebol nacional, Valentim Loureiro. Diz que a agressão só pode ter sido motivada por denúncias que terá feito acerca da promiscuidade entre a política e o futebol que, no caso de Gondomar como noutros, tem sido, desde há muito, patente e escandalosa. Dois anos depois do crime, está o processo em banho-maria quando surge a denúncia, num livro da ex-companheira de outra figura de primeira linha do futebol nortenho, Pinto da Costa, de que foi este o mandante da agressão ao então vereador, executada por alguém que a própria autora terá contratado na claque do Futebol Clube do Porto.

A partir daqui o processo acelera, mas acaba de ser arquivado por falta de provas. Sem surpresa para o próprio queixoso, que considera normal este desfecho atendendo à demora e ao aparente desprezo a que o seu caso terá sido votado. Por mero acaso e negligência tosca?

Ao longo dos anos, muitos denunciaram a relação espúria e funesta entre a política e o futebol, que assumiram, no caso do Porto e de Gondomar, contornos francamente vergonhosos. A novidade dos últimos tempos é a suspeita, reforçada pelos desenvolvimentos de múltiplos processos em curso, de que os tentáculos dos donos da bola no Grande Porto não chegam apenas à política e terão força suficiente para condicionar ou travar a própria Justiça.

É essa suspeita, verdadeira ou falsa, mas mais ou menos assumida, que agora atinge os procuradores do Porto e alimenta uma guerrilha fatal para a imagem e para a credibilidade de todo o Ministério Público. Quando a Direcção do Sindicato dos Magistrados vem dizer que, na nossa sociedade, já se sente - "e demasiado forte" - "um cheiro a podre", o que faz é pretender que esse cheiro não vem do Ministério Público, o qual, no essencial, "se mantém são". Mas, infelizmente, o pivete alastra e não é fácil excluir a Justiça, nem qualquer das suas componentes, da grande lista de fontes do mau cheiro

Publicação de
João Brito Sousa

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