terça-feira, 11 de setembro de 2007

REFLEXÃO FILOSÓFICA

(mário sá carneiro)


O texto que vem a seguir, “A Impossibilidade de Renunciar””... , é da autoria de Mário de Sá-Carneiro, in "Cartas a Fernando Pessoa”...

Aí vai o texto:


“Eu decido correr a uma provável desilusão: e uma manhã recebo na alma mais uma vergastada - prova real dessa desilusão.

Era o momento de recuar.

Mas eu não recuo.

Sei já, positivamente sei, que só há ruínas no termo do beco, e continuo a correr para ele até que os braços se me partem de encontro ao muro espesso do beco sem saída. E você não imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!...

Há na minha vida um bem lamentável episódio que só se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento em que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável.

Mas não era, não era.

É que eu, se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebê-lo até ao fim. Porque - coisa estranha! - sofro menos esgotando-o até à última gota, do que lançando-o apenas encetado.

Eu sou daqueles que vão até ao fim. Esta impossibilidade de renúncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas na vida é uma triste coisa.

Os actos da minha existência íntima, um deles quase trágico, são resultantes directos desse triste fardo. E, coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguém as compreende. Ou tão raros...



QUEM É MÁRIO SÁ CARNEIRO?


Na fase inicial da sua obra, Mário de Sá-Carneiro revela influências de várias correntes literárias, como o decadentismo, o simbolismo, o ou saudosismo, então em franco declínio; posteriormente, por influência de Pessoa, viria a aderir a correntes de vanguarda, como o intersecionismo ou o futurismo.

Nessas pôde exprimir com à-vontade a sua personalidade, sendo notórios a confusão dos sentidos, o delírio, quase a raiar a alucinação; ao mesmo tempo, revela um certo narcisismo e egolatria, ao procurar exprimir o seu inconsciente e a dispersão que sentia do seu «eu» no mundo – revelando a mais profunda incapacidade de se assumir como adulto consistente.

O narcisismo, motivado certamente pelas carências emocionais (era órfão de mãe desde a mais terna puerícia), levou-o ao sentimento da solidão, do abandono e da frustração, traduzível numa poesia onde surge o retrato de um inútil e inapto.


A crise de personalidade levá-lo-ia, mais tarde, a abraçar uma poesia onde se nota o frenesi de experiências sensórias, pervertendo e subvertendo a ordem lógica das coisas, demonstrando a sua incapacidade de viver aquilo que sonhava – sonhando por isso cada vez mais com a aniquilação do eu, o que acabaria por o conduzir, em última análise, ao seu suicídio.

Embora não se afaste da metrificação tradicional (redondilhas, decassílabos, alexandrinos), torna-se singular a sua escrita pelos seus ataques à gramática, e pelos jogos de palavras. Se numa primeira fase se nota ainda esse estilo clássico, numa segunda, claramente niilista, a sua poesia fica impregnada de uma humanidade autêntica, triste e trágica.

Por fim, as cartas que trocou com Pessoa, entre 1912 e o seu suicídio, são como que um autêntico diário onde se nota paralelamente o crescendo das suas frustrações interiores.


O MEU COMENTÁRIO


Mário de Sá Carneiro não recua. Por princípio vai até ao fim das coisas, mesmo vislumbrando o perigo. É uma pessoa determinada... um artista. E, como todos os artistas tem o seu comportamento pessoal e distinto.

E acho que um poeta da estirpe de Mário Sá Carneiro não se discute. Tenta-se entender apenas...

MSC era um bocado narcisista e talvez excêntrico. Excedia-se ... daí a impossibilidade da renúncia que ele adorava.

Como se diz no seu historial, “MSC revelou sempre a mais profunda incapacidade de se assumir como adulto.”

Penso ser esta a explicação.


POEMA

Fim



Quando eu morrer batam em latas,

Rompam aos saltos e aos pinotes,

Façam estalar no ar chicotes,

Chamem palhaços e acrobatas!


Que o meu caixão vá sobre um burro

Ajaezado à andaluza...

A um morto nada se recusa,

Eu quero por força ir de burro.



Mário de Sá Carneiro

(retirado da internet)


João Brito Sousa

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