(Raul Brandão)
Como nas farmácias antigamente, onde os velhos se juntavam para contar histórias, algumas delas bem giras, aí vai uma crónica do Raul Brandão sobre a vida nos jornais.
OS JORNAIS
Crónica de Raul Brandão.
Na redacção de A Republica, que dirigi nos primeiros meses como técnico – nunca fui político – conheci mitos tipos curiosos.
Vinha um e outro como por um portão aberto a todos os ventos. Entravam os novos políticos, os vitoriosos, que falavam ao ouvido do António José (sim! sim! sim!) e um tipo misterioso de capa à espanhola e chapéu desabado. – è o chefe da carbonária dizia-se baixinho – o António Maria da Silva, de barba rala e olho de peixe que deu à praia, mostrando desvanecido (acabava de ser nomeado director Geral dos Correios) a carteira cheia de passes de todas as linhas; O Malva má - língua e céptico, que não fazia coisa nenhuma e acabou por comer aqueles cem contos anuais de Comissário do Banco Ultramarino... Às vezes a política embrulhava-se O Afonso Costa mandava os seus bandos berrar contra os nacionalistas que se reuniam no prédio pegado, o mesmo onde já tinham reunido os franquistas. Noutras noites apareciam novas figuras.
Por lá passou Carlos da Maia, sereno e grave, de barbas negras e olhar leal e reflectido. Poucas palavras. Nem era preciso. A seu lado toda a gente se sentia ao pé de um homem: corria outro ar. Naquele arcabouço luzia a alma forte e límpida como uma espada.
Por lá passaram políticos e doidos que as redacções atraem sempre como a luz as falenas, introjões e homens sérios, alguns dos quais foram mais tarde assassinados, como Granjo e Machado dos Santos.
As oito abaterem no meu relógio e abrir-se a porta do meu gabinete, um homem que só me dava as boas noite ao entrar e ao sair e que lia insaciavelmente todos os jornais de fio a pavio, sem dizer mais palavra. Caíam as onze, pegava no chapéu e ia-se embora como tinha vindo, com toda a pontualidade.. Nunca consegui saber quem era...
(continua)
João Brito Sousa
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