sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

RENÚNCIA É TABU NA ILHA DE FIDEL


RENÚNCIA É TABU NA ILHA
Texto retirado o Estado de S. PAULO

HAVANA

Em Cuba, a palavra “renúncia” é quase um tabu. Nos programas das emissoras oficiais de rádio e TV e nos poucos pronunciamentos de autoridades sobre a histórica decisão de Fidel Castro de afastar-se definitivamente do poder, fala-se em “recusa do ‘comandante’ a aceitar sua escolha para a presidência do Conselho de Estado”. Na lógica explicitada pelo discurso oficial, Fidel é um “revolucionário” e os revolucionários não renunciam nunca.

As ruas de Havana permanecem em silêncio, quase apáticas, em relação à carta de terça-feira, na qual o homem forte do país há 49 anos anunciou sua retirada da linha de frente do governo para tornar-se uma espécie de guardião ideológico de sua revolução. Segundo os poucos cubanos que concordaram em falar com a reportagem do Estado na ilha, essa apatia se explica por duas razões principais. A primeira deve-se ao fato de que há mais de um ano e meio Fidel já estava afastado da cena política - pelo menos, oficialmente -, enquanto seu irmão Raúl Castro liderava o regime com a mesma ortodoxia política e quase nenhum sinal de disposição para uma abertura econômica real.

Para muitos cubanos, a carta de Fidel nada mais é do que a formalização de uma situação de fato. Existe ainda a clara percepção de que, mesmo afastado do cargo, Fidel segue ditando as regras do regime.

A outra razão é a quase certeza de que nada muda no país. “Será uma surpresa se (na reunião da Assembléia Nacional de domingo) o Partido Comunista escolher alguém da geração posterior à revolução para a presidência do Conselho de Estado”, disse Alfredo (nome fictício), economista formado pela Universidade Nacional que faz “bico” oferecendo-se como guia de turismo nos hotéis de Havana para tentar cobrir o orçamento da casa onde vive com a mulher e três filhos.

Raúl é o favorito para assumir o posto, que, na prática, já ocupa desde 31 de julho de 2006, quando Fidel lhe transferiu o poder e anunciou que sofria de uma doença intestinal. Os mais jovens - o secretário-executivo do Conselho de Ministros Carlos Lage e o chanceler Felipe Pérez Roque - correm por fora na eleição, mas não se descarta a possibilidade de que ampliem seu papel no regime (veja quadro com os possíveis candidatos à sucessão).

Uma análise comum em Havana é a de que o PC opte pela manutenção de Raúl na chefia do Estado para que o impacto político-psicológico da renúncia de Fidel seja reduzido. A mensagem implícita seria a de que a revolução segue em seu rumo, apesar do afastamento de seu principal personagem. Numa etapa posterior, a jovem guarda do partido assumiria as rédeas do regime, com a ascensão de um líder teoricamente menos avesso a uma limitada abertura econômica e a uma eventual reaproximação com dos EUA. De todo modo, qualquer avanço nessa direção só seria viável após a morte de Fidel.

“A estagnação econômica de Cuba chegou a um ponto que, se por milagre o PC decidisse mudar os rumos da economia e abrisse os mercados do país como foi feito na China, por exemplo, ainda levaria alguns anos para que os benefícios chegassem à população”, disse Alfredo. “Em primeiro lugar, porque é um mito imaginar que os investidores estrangeiros estão impacientes para entrar aqui.

A economia de Cuba é uma ficção e, entre os 11 milhões de cubanos, pouco mais de 10% têm poder real de consumo. Apesar da qualificação da mão-de-obra, qualquer empresa que decidisse, por exemplo, instalar uma planta industrial em Cuba teria de esperar anos até que se formasse um mercado capaz de consumir seus produtos.”

Além disso, de acordo com o economista, a infra-estrutura do país está sucateada. As termoelétricas que consomem quase todo o petróleo enviado pela Venezuela de Hugo Chávez são suficientes apenas para deixar as principais cidades do país à meia luz. As estradas são ruins, não há rede ferroviária e os principais portos operam no limite da capacidade. O serviço de telefonia é precário e o acesso à internet, em cumprimento do interesse do próprio Estado, é difícil e limitado.

“Há cerca de 20 anos, quando a URSS ainda existia e patrocinava Cuba como uma vitrine do comunismo e o bloqueio comercial dos EUA era visto como a causa das dificuldades econômicas, a maior parte dos cubanos orgulhava-se da revolução e de seus líderes”, afirma outro cubano, sob a óbvia condição de não ter seu nome publicado. “Hoje, essa realidade é completamente diferente e há uma vasta geração de cubanos que se sente enganada pelo regime. A população de Cuba é hoje formada por um exército de dissidências nãoassumidos.

Publicado por
João Brito Sousa

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