terça-feira, 22 de abril de 2008

POEMA DE ANTÓNIO SIMÕES


POEMA
de Terça - feira Gorda de Carnaval

Num recinto de baile,
os pares dançam voluptuosamente
ao som lânguidoda música!
que irrompe frenética
e parte vidraças dentro de mim.

... E vou para além donde não posso ir
através de mim.Ah! mas para atingir
o ponto culminante onde quero ir
sem Deus consentir,
eu imploro, soluçante:
- “Sr. Deus, eu creio em vós
e uma sensibilidade morta
renasce em mim !
Volto ao passado,
sob a vossa protecção,
e sinto-me outra vezcriança,
levada nos braços da ilusão.

-Sr. Deus ! Deixai-me ir ao recintode dança,
onde há perfumes estonteantes
e cores insinuantes em damas bonitas.
Hoje, terça-feira Gorda de Carnaval,
sr. Deus,(para que nasci assim sensívele vivo por elesa vida deles?)todo um passado ressuscita através dum presente mascarado...
- Perdoai-me, sr. Deus !

Eu sou egoísta e julgosentir por eles
- os pares dançantes
-a beleza sem termo, sem classificação,
dos seus corpos vibrantes, insinuantes,
e da música que penetra no meu Ser(sem razão de ser)
e se transforma em vento que percorre o continente,
o continenteda minha alma.

- Sr. Deus - mais uma vez - eu posso ir,
ao recinto de dança?
Prometo portar-me com cuidado...
ninguém saberá que fui exilado
de láquando era criança».

Ah! mas Deus, não me responde!
Deixo de crer, de ter fé,
e volto a ser ateu.
Vou sentar-me à mesa do bar
escondido, pervertido, nas traseiras do salão,
com a música a apunhalar-me a garganta,
que soluça quando cantauma indizível canção...

Alguém ao meu lado diz- ou pelo menos insinua,
-que a esta hora está chovendo lá fora,
que a esta hora está gente morrendo,
morrendo no mundo inteiro,
para salvar o mundo inteiro...
E eu gostaria de dizer que nesta hora sonolenta,
amorfa, nesta hora sem principio nem fim
está um menino morrendo em mim,
que fui eu,
que sou eu exilado dum país ridente,
primaveril, onde os homens pensam e actuam
sempre numa Esperança sem fim,
que sobe, sobe desmedidamente, continuamente
em vez de ficarem bebendo e apodrecendo moralmente !

- Eu bebo num grito de revoltaa miséria da minha existência,
e choro...Choro intimamente a minha morte
que ninguém vê !- Oiço !... Oiço citar o meu nomee dizer,
que faço poemas de sangue e quebro algemas de escravos
que jazem agrilhoados.

Volto-me, então, para mim, num olhar insinuante,
num grito de aflição !que fica mudo, indeciso…
- E faço hipóteses de triunfo e penso:
- «Se acaso, o meu nome e o meu retrato viessem amanhã,
nos jornais, toda esta gente diria a outra gente
que por sua vez diria,
também, a outra gente
que o poeta do jornal era aquele homem bêbado,
de terça-feira...de terça-feira Gorda de Carnaval.»

PUBLICAÇÃO DE
JOÃO BRITO SOUSA

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