terça-feira, 15 de abril de 2008

IMPRENSA/ VISÃO




É SÓ RUÍDO...
Por José Carlos Vasconcelos

Na actual política portuguesa, e à portuguesa, às vezes fica-se com a ideia de que à míngua de princípios e valores vale mais ou menos tudo e o importante é o espectáculo, o ruído. Por isso me ocorre a famosa frase de Pinheiro de Azevedo, quando rebentou um petardo na manifestação de apoio ao seu Governo, em 1975, no Terreiro do Paço: «É só fumaça, é só fumaça...»; e penso: «É só ruído, é só ruído...» Acresce que amiúde falta inteligência, equilíbrio, bom senso. Até o simples bom senso que impediria alguns protagonistas políticos de fazerem as figuras que fazem e alguns media de lhes darem o relevo injustificado e acrítico que dão.

Sem prejuízo de haver ainda quem à «causa pública», lembram-se?, sinceramente se devote, parece haver cada vez menos ideais, ideologia, pior, ideias, e cada vez mais interesses, propaganda, pior, embustes. Assim, não espanta que técnicas de publicidade e agências de comunicação assumam cada vez maior importância, em detrimento da política, quando não da ética que para alguns, talvez fora do tempo, lhe deve estar associada.

Ora, a última semana foi, neste domínio, significativa. Para lá do que se pode ler nas páginas anteriores, exemplo acabado de a tendência para a imagem se sobrepor a tudo o resto e os profissionais da propaganda comandarem a política está na mudança de «cor» do PSD. Se a substituição das três setas de sempre por uma só já é pelo menos polémica, a substituição do tradicional, identificador e fundador laranja (que deu e ainda dá nome aos militantes do partido) pelo azul mostra também a que ponto chega a tal falta de inteligência política ou de simples bom senso...

Assim, Luís Filipe Menezes juntou mais uma acha à fogueira para se queimar. Quando é notório que a sua acção tem ultrapassado as piores expectativas e a sua principal prioridade é conseguir manter-se como líder, inclusive através de um «retrocesso» estatutário que se presta a manigâncias há muito conhecidas, põe em causa princípios básicos de qualquer eleição, como o de saber com antecedência quem vota, e suscitou generalizada discordância dos anteriores secretários-gerais e outras figuras gradas do partido.
No sábado seguinte ao da gigantesca manifestação dos professores em Lisboa, o PS fez um comício no Porto. Não como resposta, disse, mas para comemorar os seus três anos de Governo.

Está no seu direito, pode-se queixar de lhe ter sido atribuída uma intenção que não seria a sua e de muitos media começarem a dá-la por assente. Mas a verdade é que tinha obrigação de prever ser essa pelo menos uma «interpretação» possível – e por isso foi um erro não deixar o comício para mais tarde. O que também não justifica o tempo dado, por exemplo, pela RTP, a Menezes, e não só, para comentar esse comício. De resto, pode ser que haja mas não conheço nenhuma televisão de nenhum país democrático que dê tanta «antena» a notícias sobre a actividade dos partidos, declarações dos seus líderes, política de «paleio», visitas ministeriais, etc... Mais uma originalidade, a que valerá a pena voltar, de par com outras como a da acumulação das funções de dirigente e comentador político!

Ainda quanto ao comício do Porto, o que impressiona, da leitura da comunicação social, é não se descortinar ter surgido aí, por parte de José Sócrates, o reconhecimento de alguma coisa mal feita ou não realizada, alguma ideia nova, o mínimo de pista de reflexão sobre o futuro do País... A fazer fé nos relatos, só orgulho e satisfação, auto-estima e autocontentamento, benfiquismo partidário e retórica, com a demagogia própria da circunstância. Enfim, parece que se cumpriu a extraordinária orientação do porta-voz do PS («...como fizemos muitas coisas bem, não temos de perder tempo com aquilo que fizemos mal»!) e os militantes se entusiasmaram com o «regresso» de Jorge Coelho, a sua oratória, a sua mineralógica metáfora segundo a qual «quando toca a doer estamos unidos que nem uma pedra». Que nem uma pedra!

Publicação de
João Brito Sousa


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