sexta-feira, 18 de julho de 2008

IMPRENSA/ VISÃO


TERRAMOTO DE LONGA DURAÇÃO
por boaventura sousa santos

“O fim de um sindicalismo independente e o agravamento caótico do protesto social beneficiará exclusivamente ao Clube dos Bilionários...”

Um terramoto está a assolar a Europa. Não é detectável nos sismógrafos convencionais porque tem um tempo de desenvolvimento atípico. Não ocorre em segundos se não em anos ou talvez décadas. Consiste na convulsão social e política que vai decorrer da destruição progressiva do chamado modelo social europeu uma forma de capitalismo muito diferente da que domina os EUA assente na combinação virtuosa entre elevados níveis de produtividade e elevados níveis de protecção social, entre uma burguesia comedidamente rica e uma classe média comedidamente média ou remediada; na eficácia de serviços públicos universais; na consagração de um direito ao trabalho que, por reconhecer a vulnerabilidade do trabalhador individual frente ao patrão, confere níveis de protecção de direitos superiores aos que são típicos no Direito Civil; no acolhimento de emigrantes baseado no reconhecimento da sua contribuição para o desenvolvimento europeu, e das suas aspirações à plena cidadania com respeito pelas diferenças culturais.

A destruição deste modelo é crescentemente comandada pelas instituições da União Europeia e pelas orientações da OCDE. Três exemplos recentes e elucidativos. A directiva europeia que permite o alargamento da semana de trabalho até às 65 horas. A chamada directiva de retorno, que permite a detenção de imigrantes indocumentados até 18 meses, incluindo crianças, o que virtualmente cria o delito de imigração. As alterações ao Código do Trabalho em vias de serem aprovadas no nosso país, cujos principais objectivos são: baixar os níveis de protecção ao trabalhador consagrados no Direito do Trabalho, já de si baixos pelos níveis de violação consentida; transformar o tempo de trabalho num banco de horas gerido segundo as conveniências da produção, por maiores que sejam as inconveniências causadas ao trabalhador e à sua família, com o objectivo de eliminar o pagamento das horas extraordinárias; desarticular o movimento sindical através da possibilidade da adesão individual às convenções colectivas por parte de trabalhadores não sindicalizados, o que abre as portas a todo o sindicalismo dependente e de conveniência.

Há em comum nestas medidas dois factos que escapam por agora à opinião pública. O primeiro é que, ao contrário do que aconteceu na legislação europeia anterior, a actual visa harmonizar por baixo, transformando os países mais repressivos em exemplos a seguir.

O segundo é o objectivo de fazer convergir o modelo capitalista europeu com o norte-americano. A miragem das elites tecno-políticas europeias muitas delas formadas em universidades norte- -americanas é que a Europa só poderá competir globalmente com os EUA na medida em que se aproximar do modelo de capitalismo que garantiu a hegemonia mundial deste país durante o século XX.

Trata-se de uma miragem porque concebe como causas dessa hegemonia o que os melhores economistas e cientistas sociais dos EUA concebem hoje como causas do seu declínio, fortemente acentuado nas duas últimas décadas.

A transformação do trabalhador num mero factor de produção e a transformação do imigrante em criminoso ou cidadão-fachada, esvaziado de toda a sua identidade cultural, são as duas fracturas tectónicas onde está a ser gerado o terramoto social e político que vai assolar a Europa nas próximas décadas.

Vão surgir novas formas de protesto social desconhecidas no século XX. A vulnerabilidade do Estado será visível em muitas delas, tal como aconteceu com a greve de camionistas, vulnerabilidade reconhecida por um primeiro-ministro cuja eventual ignorância da história contemporânea foi compensada pela intuição política: foi a greve de camionistas que precipitou a queda do governo de Salvador Allende.

A quem beneficiará o fim de um sindicalismo independente e o agravamento caótico do protesto social? Exclusivamente ao Clube dos Bilionários, os 1125 indivíduos cuja riqueza é igual ao produto interno bruto dos países onde vive 59% da população mundial.

publicação de
João brito Sousa

1 comentário:

  1. 2008.07.18


    O senhor Boaventura Sousa Santos faz-me rir....nao pelo tema desenvolvido mas,pelo seu "clubismo" politico que vem a' "tona" desde o primeiro paragrafo...
    Onde foi ele encontrar na Europa o sindicalismo "independente"? Ja Charles Degaule dizia que os sindicatos eram a correia de ligacao do povo com o partido!....o senhora Boaventura ,vem descobrir agora que sao independenetes? Mas em que pai's ou continente viveu ele ate' agora.....Deveria sim render-se conta que os excessos dos sindicatos e,a excessiva complacencia dos governantes ...de alguma maneira ligados aos ditos sindicatos,colocaram a Europa no caos economico em que se encontra....e,vai mais longe,aponta o dedo aos dirigentes da uniao europeia formados ultimamente nas universidades americanas.Eu pergunto,sera que o nosso velho pai's e continente nao tem universidades que cheguem? Se esses novos quadros procuraram Universidades americanas de renome para as suas formaturas e' porque alguma boa razao existe.O senhor Boaventura canta {escreve bem} mas nao me convence.

    dt

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