NÃO PERCEBER, NÃO EXPLICAR
por DANIEL OLIVEIRA
A ditadura do politicamente incorrecto que recentemente se abateu sobre o debate político tem uma lei sagrada: explicar é justificar. E como não se pode explicar, não se pode compreender. E como não se pode compreender, não se pode prevenir ou resolver
Desconfia-se sempre da televisão. Faz o velho parecer novo. Vizinhos tratarem das suas desavenças à estalada e até ao tiro não é novidade. Era assim que se fazia nas aldeias deste país. Focos de violência entre diferentes comunidades também não. É assim desde que existe humanidade. Que a intolerância é a forma mais imediata de nos relacionarmos com quem é diferente é ainda menos novo. E não está escrito em lado nenhum que as vítimas da discriminação são imunes a sentimentos racistas. As proporções do que se passou na Quinta da Fonte é que são maiores do que o habitual.
Podia acrescentar a tudo isto algumas considerações: que o estilo de vida dos ciganos foi destruído pelas novas realidades económicas e que eles ficaram sem lugar numa terra que é também sua e que há cinco séculos os trata com desconfiança; que as segundas e terceiras gerações de imigrantes (que se envolveram neste conflito) tendem a devolver em ressentimento o desrespeito com que a sociedade tratou os seus pais e os seus avós; que os bairros de realojamento erguidos nas periferias são uma bomba-relógio que acumula todos os problemas no mesmo lugar; que o que vimos na televisão é, em Portugal, a excepção e não a regra.
Mas não posso dizer nada disto. A ditadura do politicamente incorrecto que recentemente se abateu sobre o debate político tem uma lei sagrada: explicar é justificar. E como não se pode explicar, não se pode compreender. E como não se pode compreender, não se pode prevenir ou resolver. E assim nos orgulhamos da nossa ignorância e da boçalidade transformada em doutrina. O resultado do politicamente incorrecto está à vista na Itália de Berlusconi: a recolha de impressões digitais dos cidadãos ciganos, crianças incluídas - informação de que estão isentos os restantes italianos. A mesma Itália que enviou ciganos para Auschwitz esqueceu o seu passado. Porque também ela não quer ser refém do ‘politicamente correcto’. Apesar deste ter sido, durante sessenta anos, uma eficaz barragem aos nossos piores fantasmas.
Omar
Omar Khadr é um cidadão canadiano e foi preso no Afeganistão quando tinha 15 anos. Vivia desde os 11 anos entre fundamentalistas e era menor quando foi acusado de matar com uma granada um soldado americano. Está há seis anos em Guantánamo e vimos agora um vídeo de um interrogatório que durou sete horas.
Tudo na história da sua prisão é uma aberração. É acusado de um crime de guerra por fazer o
que na guerra se faz: matar. Coisa que, como é evidente, o homem que ele terá morto por ali andava a fazer. É acusado de um crime de guerra apesar de não ser um prisioneiro de guerra e por isso a ele não se aplicar a Convenção de Genebra. Não teve direito à defesa e às garantias que o Estado de direito dá a qualquer arguido, porque, apesar de não ser um prisioneiro de guerra, também não é um prisioneiro comum. Era um soldado-criança mas é tratado como um perigoso terrorista. Na realidade, está preso porque o seu pai era amigo de Bin Laden. A história de Omar, que já passou um quarto da sua vida numa prisão ilegal, é o legado desta Administração americana: sete anos de atropelos à lei internacional e aos direitos humanos. Num mundo com alguma noção de justiça, George Bush seria julgado. Com todas as garantias de defesa, claro.
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João Brito Sousa
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