por MÁRIO SOARES
Fui, como se sabe, partidário do Tratado de Lisboa. Não pela sua qualidade, que não é boa. É um Tratado confuso, que remete para os tratados anteriores e que não é claro nem simplificado, como queria Sarkozy. Pelo contrário, é complexo, longo e difícil de compreender.
Porque fui, então, a seu favor? Porque a União Europeia, depois do não francês e dinamarquês ficou paralisada e sem norte. Em consequência, cresceu o eurocepticismo e os cidadãos europeus cada vez se distanciaram mais de Bruxelas. Era preciso um novo impulso, dar ânimo e confiança à Europa e a aprovação do Tratado de Lisboa servia para isso.
Com efeito, os 27 países-membros, representados pelos seus chefes de Governo, subscreveram por unanimidade o Tratado de Lisboa, na cerimónia ocorrida no Mosteiro dos Jerónimos, com pompa e circunstância, dando um suspiro de alívio, mesmo os que chegaram atrasados como o Presidente Sarkozy e o primeiro-ministro inglês Brown. Mais contente do que todos estava o primeiro-ministro português José Sócrates com razão, diga-se que tanto trabalhou para isso e viu a presidência portuguesa coroada por esse incontestável êxito.
Lembro-me de ter escrito um texto, nessa altura, em que advertia: «Atenção, falta ainda o processo de ratificação e foi aí que o Tratado Constitucional encalhou», com os resultados negativos que se sabe.
A história repetiu-se. Agora com o não da Irlanda, ao referendo de ratificação, com 53,4% do «não» contra 46,6% do «sim», sendo a taxa de participação de 53,13 por cento. Foi um balde de água fria sobre os europeístas dos 27 países membros da União. Alguns proclamaram imediatamente (porventura com júbilo interior): «O Tratado de Lisboa, morreu.» Outros, como uma eurodeputada, foram mais longe (cito): «Foi uma derrota do Governo PS/Sócrates» e o resultado «contribui para travar um caminho muito perigoso das grandes potências europeias».
Enganou-se: nem uma coisa nem outra. Não foi uma derrota para o PS/Sócrates; foi uma derrota para a União Europeia, lançando-a num novo imbróglio, num momento internacional de crise gravíssima. Imbróglio que não aproveita a ninguém, nem sobretudo aos que se comprazem em fazer a política (perigosíssima) do «quanto pior, melhor».
Enganou-se: nem uma coisa nem outra. Não foi uma derrota para o PS/Sócrates; foi uma derrota para a União Europeia, lançando-a num novo imbróglio, num momento internacional de crise gravíssima. Imbróglio que não aproveita a ninguém, nem sobretudo aos que se comprazem em fazer a política (perigosíssima) do «quanto pior, melhor».
E agora? Agora é preciso encontrar uma solução para o impasse a que se regressou. Mas não é fácil. Alguns disseram: cabe ao governo irlandês encontrá-la. Já uma vez, em 2001, por causa do Tratado de Nice, fizeram um referendo negativo e, em 2002, repetiram-no, com êxito. Mas no rigor dos princípios não se lhes pode exigir isso. É certo que o eleitorado da Irlanda representa 4 milhões de eleitores, 1% do eleitorado europeu. Mas, mesmo assim, as regras são para cumprir e não se devem subverter segundo os nossos interesses. Vejamos o que sairá da próxima reunião dos 27Š O projecto europeu é o mais original projecto político, voluntário e democrático, dos tempos posteriores ao fim da II Guerra Mundial. Mas tem vindo a estiolar e a perder força porque os cidadãos europeus estão cada vez mais distantes dos seus dirigentes. Não há clareza nem transparência nas decisões que tomam. Dirigentes ousados, corajosos e lúcidos, precisam-se.
Em consonância com as opiniões públicas. Será que irão aparecer?.
Publicação de
João Brito Sousa
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