CONSENSO NACIONAL
por José Carlos Vasconcelos
Cerca de 14 anos depois de o PS de António Guterres ter combatido a chamada «política do betão» e a «insensibilidade social» do Governo do PSD, chefiado por Cavaco Silva, proclamando «Primeiro as Pessoas», uma das palavras de ordem que o faria chegar ao Governo, Manuela Ferreira Leite, a nova presidente do PSD, então ministra de Cavaco, inicia a sua liderança fazendo, no seu estilo próprio, proposta semelhante e o mesmo tipo de crítica ao Governo do PS, chefiado por José Sócrates, ex-ministro de Guterres... É assim e não é novo: a política à portuguesa dá muitas voltas para, no final das contas, em geral, acabar nos mesmos sítios, com os mesmos partidos e as mesmas pessoas...
De facto, o que sobressaiu nas intervenções de Manuela Ferreira Leite (MFL), no Congresso do PSD, em matéria programática, foi a proposta de privilegiar o «social», o apoio aos mais necessitados, e não as grandes obras públicas.
O que é em teoria certo, tendencialmente justo e eleitoralmente rentável.
Mas só a análise em concreto da importância para a nossa economia das obras de que se prescinda, da rentabilidade e reprodutividade dos investimentos, permitirá avaliar se constitui o melhor caminho. Inclusive para defender, como se impõe, os sacrificados de sempre. Prescindir do novo aeroporto? do TGV? de algumas projectadas auto-estradas, que já não serão uma necessidade mas um luxo?, de quê e com que resultados?
Esta posição da líder do PSD significa, e José Sócrates não o pode ignorar, haver um cada vez maior consenso nacional sobre a necessidade de medidas sociais para evitar a constante degradação da qualidade de vida dos mais pobres e da classe média, em particular a baixa, enquanto se mantêm ou aumentam os rendimentos, até os privilégios, dos supermilionários ou «tubarões». O que se vê em tudo, das ruas e dos restaurantes ao mercado de automóveis e de imobiliário.
Assim, urge fazer qualquer coisa que valha pelos resultados e mesmo pela carga simbólica. No mínimo, a criação do chamado «imposto Robin dos Bosques», que o primeiro-ministro anunciou iria estudar. No mínimo, taxar mais os lucros especulativos, excessivos, imorais, nas áreas dos combustíveis, financeira, alimentar, o que seja sem, claro, deixar repercutir nos consumidores essas taxas, punindo quem o faça ou tente fazer.
No mínimo, desenvolver uma acção fiscalizadora severíssima, e aprovar nova legislação, para, na medida do possível, pôr cobro aos escândalos vergonhosos, à fraude fiscal e ao branqueamento de capitais através dos off-shores. Utilizando as novas receitas para apoiar os mais necessitados.
Aliás, a propósito, surpreende-me, e lamento, a discrição, se não o silêncio, da Igreja portuguesa neste domínio, quando tantas pessoas sofrem e são gravemente postos em causa princípios da sua doutrina social, e não só.
Voltando ao Congresso do PSD, ele consagrou, mas sem grande convicção e muito menos entusiasmo, o regresso do partido a uma certa linha de credibilidade. Passos Coelho manteve sensivelmente o seu score, com a posição sensata de anunciar colaboração sem prescindir das suas posições, posicionando-se como a óbvia alternativa liberal pós-MFL. Santana Lopes soçobrou, porventura mais do que nunca (mas claro que vai continuar a andar por aí...), após os habituais episódios de sai e entra, fala ou não fala, a que a maioria dos media dão um relevo injustificável e pouco abonatório para o jornalismo, o que pode explicar o facto de as «agências de comunicação» terem tanta clientela.
Enfim, Ferreira Leite, apesar de apresentar listas com nomes sonantes e currículo, de ter conseguido apoios pontuais de delegados que, nas directas, estiveram com algum dos seus adversários, pouco melhorou os seus resultados em relação àquelas eleições. Mostrou a seriedade que se lhe (re)conhece, mas teve muito menos aplausos que noutros congressos (até no último, quando Menezes se lhe referiu), tudo evidenciando que a sua vida não vai ser fácil, num partido em que as divisões e feridas continuam bem vivas.
Publicação de
João Brito Sousa
João Brito Sousa
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