quarta-feira, 2 de julho de 2008

IMPRENSA / DN


O PREÇO DAS MISSAS
Armando Baptista-Bastos

Aumentam os transportes e aumentam os preços das missas. Entre as minudências materiais e a infinitude do espírito já não há as diferenças que implicavam um irredutível antagonismo. A vida quotidiana, no "socialismo moderno" de José Sócrates, está insuportável. Ajudava, para alguns, o encontro com Deus, na liturgia missal. Agora, até esse alívio dos aflitos cobra aumento. Sabemos que não somos feitos para compreender muitas coisas, e que a política é a disciplina das ambiguidades.
No entanto, entendemos menos o domínio do vil metal no território do religioso. O preço das missas vai corresponder a que tabela? A uma medida semelhante à dos transportes colectivos? Por tempo, equivalendo este à quilometragem? Em quanto vai importar uma modesta novena? E um piedoso rito de defuntos?
Haverá, então, razões para crer na afirmação do teólogo assuncionista Marcel Neusch [Deus no Século XXI, Instituto Piaget, Colecção Crença e Razão], segundo o qual "Deus deixou de ser contestado porque, para muitos, Ele deixou de fazer parte das questões que interessam aos homens"? Adiciono, para complemento de reflexão, estas perguntas do padre Anselmo Borges, leitura estimulante aqui, no DN: "Que Deus é esse, em nome do qual se aterroriza e mata pessoas?
Há guerras em curso, e os cristãos pedem ao Deus, os judeus pedem ao Deus, os muçulmanos pedem ao Deus. Qual Deus? E que vai Deus fazer para atender a todos contraditoriamente?" Em todos os conflitos contemporâneos, a Igreja tem desempenhado um papel relevante. Para o bem e para o mal. Muitas das suas evasivas, numerosos dos seus silêncios atingem, historicamente, os domínios do escândalo. O papa do Hitler, Pio XII, que abençoou as Divisões Panzer, e estendeu o braço numa saudação aberrante, não é, somente, a simbólica de uma época: reflecte uma intenção e assinala uma ideologia.
A evidência é que a dimensão histórica da cruz permitiu toda a espécie de abusos, inclusive o da superstição. As missas são agora mais caras. A decisão, creio que vaticana, obedece a uma exigência dos tempos, que transforma os arautos e servidores do Reino em deploráveis mercenários.
"A glória de Deus é o pobre vivo." A frase de Ireneu deixa de fazer sentido. E o aumento do custo das missas, por módico que seja, sugere que a plenitude do amor na fé é gravemente amachucada. Pediam, os crentes, a salvação do mundo e a purificação das pessoais almas. Para isso, oravam, na apoquentação de quem acredita que uma boa prece é sempre a derrota dos males concretos. Entre os quais estes, rudemente impostos pela política de Sócrates. O amparo, presumidamente oferecido, na grata solidariedade de quem vive em plena comunhão de afectos, dispõe, agora, de uma tabela de preços. Deus está no mercado.

Publicação de
JBS

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