MST EM GRANDE!...
Já sei que este texto sobre o feminismo me vai valer os dissabores habituais, quando um homem se atreve a tocar no assunto: ofensas, insinuações caluniosas e os habituais boatos anónimos via net ou outra. Paciência, são ossos do ofício: a experiência ensinou-me que, se o debate de ideias não tem, em princípio, temas-tabu, continua a ter, na prática, temas convenientes e temas inconvenientes. Aliás, não resisto a fornecer carne para canhão ao 3º Congresso Feminista Português, a decorrer este fim-de-semana e onde, como se sabe, fazem sempre falta alguns bichos-homem disponíveis para dar o peito às balas.
Comecemos por aí: o que justifica o Congresso, o que se propõe ele discutir? Pegando naquilo que algumas das suas organizadoras disseram ao ‘Diário de Notícias’, existem dois tipos de motivação. Uma, é “a situação das mulheres no mundo” (no submundo, melhor se diria): “a lapidação, a excisão, a pobreza extrema, o tráfico de mulheres, o aborto”. Salvo melhor opinião, não vejo aqui nenhum tema feminino: vejo, sim, questões que remetem, todas elas, para os direitos humanos, e que são motivadas por conceitos ideológicos, políticos, culturais ou religiosos - não é preciso ser mulher para achar aberrante a lapidação islâmica ou a excisão praticada em algumas tribos de África.
As segundas ordens de razões são internas e não trazem nada de novo. Uma delas é a estafada queixa do “triplo papel da mulher, como mãe, trabalhadora e dona-de-casa”, uma espécie de disco encravado que pretende continuar a convencer toda a gente que o padrão dominante do macho-luso continua a ser o do homem que chega do trabalho, senta-se no sofá à espera do jantar e se está nas tintas para os filhos e tudo o resto. Acredito que ainda os haja, mas seguramente que são residuais e, se existem, é porque ainda há mulheres que os toleram (uma vez, num debate com uma conhecida feminista, ela veio-me com esse argumento, jurando que o que mais conhecia eram homens incapazes de ir ao supermercado, estrelar um ovo ou mudar a fralda a um filho. E ficou furiosa quando lhe respondi: “Mas que belas companhias que você frequenta! Por que não muda antes de amigos, já que não quer mudar de verdades?”.
O outro eterno argumento é o do poder. “A partilha do poder nos lugares de direcção, da política, das empresas, da cultura e até dos jornais”. Note-se, antes de mais, como as coisas evoluíram e rapidamente: há uma geração, a discussão era a do acesso da mulher aos postos de trabalho qualificados: magistratura, medicina, jornalismo, diplomacia, Forças Armadas. Hoje, quando as mulheres representam quase o dobro dos licenciados homens à saída das Faculdades (um desequilíbrio que, se fosse ao contrário, preocuparia muita gente), as mulheres estão em maioria, no início de carreira, na magistratura, medicina, jornalismo e diplomacia, e representam já mais de 30% nas Forças Armadas. Portanto, o que se discute agora já não são as carreiras, mas os lugares de direcção - o ‘poder’. Podíamos objectar a esta preocupação que o tempo se encarregará de a resolver ou que, no que respeita ao poder dentro das empresas, nada obsta a que uma mulher o tenha por imposição própria - basta-lhe criar a sua própria empresa ou adquirir maioria numa. Mas concedo que não é resposta suficiente.
Vamos então à resposta fornecida pelas quotas.. Reconheço que as quotas até podem ser uma tentação, porque, nos países onde foram impostas, produziram resultados favoráveis à não-discriminação sexual - fundamentalmente, na política. Mas a opção pelas quotas coloca problemas prévios para os quais nunca vi resposta capaz das nossas feministas. Em primeiro lugar, porquê quotas a favor das mulheres e não de outros segmentos da sociedade onde a discriminação é muito mais efectiva e não dispõe de lóbi nem voz activa, como os deficientes e doentes crónicos, os de outra raça, os estrangeiros imigrados ou os de mais de 45 anos, para quem o mercado de trabalho se fecha a sete chaves? Em segundo lugar, se se defende quotas a favor das mulheres nos sectores onde elas estão em inferioridade numérica, porque não defendê-las correspondentemente a favor dos homens nas mesmas circunstâncias? O que será mais urgente e mais justo: defender, por exemplo, quotas para as mulheres na direcção dos jornais ou defender quotas a favor dos jovens jornalistas-homens, que estão em clara minoria nas redacções? E nos hospitais? E nos tribunais? E nas escolas?
Fiquemos, assim, pelas quotas políticas, onde os argumentos são mais fortes. Eu reconheço, sem dificuldade alguma, que basta olhar para muitos autarcas e o grosso dos deputados para concluir que eles seriam bem substituídos por mulheres. O problema está em saber se a substituição apenas mudaria a quantidade ou também a qualidade: se por cada incapaz masculino que fosse afastado da política avançasse uma mulher capaz, era já. Mas quem nos garante que as quotas promovem a qualidade política e não são antes uma promoção da mediocridade, em nome da igualdade de sexos? Eu acho que um dos defeitos masculinos é justamente o da atracção do poder pelo poder. E como, bem ou mal, nunca senti pessoalmente atracção por qualquer tipo de poder, só vejo nesse aparente desprendimento das mulheres pelo poder uma coisa boa e não uma coisa má. A mim parece-me que a drª Manuela Ferreira Leite - para citar o último exemplo em data - não foi escolhida por quota partidária para liderar a oposição, mas sim por ser o mais competente dos candidatos, entre um nevoeiro de homens e uma nuvenzinha de mulheres. E não foi por dar a sensação de que só ia arrastada e contra vontade ou, menos ainda, por ser mulher, que deixaram de a eleger. Talvez tenha sido justamente por essas duas razões...
O nosso feminismo tem algumas coisas em que faz lembrar um machismo ao contrário e alimenta-se de estatísticas desactualizadas, verdades mortas e indignações fáceis a partir da simplificação ou adulteração das coisas. Um exemplo de machismo ao contrário foi o artigo que li há dias, numa chamada “revista de referência”, sobre algumas mulheres nossas que preenchiam o tipo de ‘mulher-emancipada’ do ‘Sex and the City’. Uma das depoentes, senhora dos seus quarenta e vários anos, gabava-se de ter ido para a cama com o filho de uma amiga de infância, jovem ainda adolescente - uma aventura apresentada como exemplo da emancipação da mulher moderna. E se fosse um homem a gabar-se publicamente de ter ido para a cama com a filha adolescente de um amigo de infância? O que não lhe chamariam, de Zezé Camarinha para baixo...
Um exemplo da tal indignação fácil a partir da simplificação demagógica das coisas, foi outro artigo que li, na ‘Visão’, da autoria de Áurea Sampaio - por curiosidade, representante da maioria feminina que dá cartas no jornalismo político, por reconhecido mérito. A Áurea Sampaio indignava-se por o bastonário dos Advogados, Marinho Pinto, ter defendido que, em sua opinião, havia “um certo fundamentalismo feminista” na lei que passou a considerar o crime de violência doméstica como crime público - em lugar de crime semipúblico, como sucedia até recentemente.
E, vai daí, descamba nisto: “É assim mesmo, doutor, pancada nelas! Suas ordinárias, então atrevem-se a fazer queixa do marido só porque ele chega a casa e vos prega uma valente tareia?”
Ora, o que o dr. Marinho Pinto disse é que a passagem do crime de violência doméstica de semipúblico a público podia, em muitos caos, causar danos evitáveis à vida do casal. Porque tornava irrelevante o perdão da vítima e continuava a perseguir o agressor, mesmo depois de perdoado por ela. Eu não estou de acordo com a tese do bastonário, porque, por um lado, diz a experiência que este tipo de criminoso, como os pedófilos, é quase sempre reincidente; por outro lado, porque, a não ser assim, a maioria dos crimes ficaria oculta e impune.
Mas há, quer se queira quer não, uma recorrente discussão doutrinária, aqui e lá fora, sobre qual a melhor lei nestes casos, e seguramente que todos os que defendem a tese de Marinho Pinto não estão a aplaudir a violência doméstica. E seguramente que não há argumento de razão que possa justificar a
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JBS