domingo, 5 de dezembro de 2010

ARTIGO DE LUÍS FILIPE MENEZES

CRÓNICA DO PORTO AO DOMINGO
Por João Brito Sousa

(retirado do JN)


A "ROLETA RUSSA" EUROPEIA


O Governo espanhol, após ter apresentado o seu orçamento de supercontenção, já depois do pacote de medidas que consubstanciaram a primeira abordagem de cortes anti-sociais do final da Primavera passada, anunciou ontem novas iniciativas: privatização parcial dos aeroportos nacionais e das lotarias e apostas do Estado!? Com isto prevê arrecadar mais 14 mil milhões de euros de receitas extraordinárias. Anunciou ainda o corte da ajuda que ainda era dada, no valor de 426 euros, aos desempregados de longa duração. Em Portugal, correm rumores sobre medidas políticas que irão complementar o "pacotão" financeiro recém-aprovado. Fala-se, entre outras, em alterações liberalizantes da legislação laboral e na privatização do sector dos transportes.
Curiosamente, sempre que uma decisão deste tipo é tornada pública ou oficializada, aparece a terreiro um qualquer comissário europeu - todos iguais, todos com nomes esquisitos, todos irrelevantes, todos sem direito a cortes no vencimento - a aplaudir tão "corajosas" iniciativas.
Este quadro é aterrador. Aterrador, não porque nos pede sacrifícios, mas porque os pede a troco de uma mensagem sem esperança. Pior. Transmitindo uma certeza. Tratam-se sempre de um somatório de decisões estereotipadas, sem nexo sequencial, avulsas. Fica-se com a certeza que resultam do trabalho diário num pequeno-almoço de aflição.
Imagino todos os dias Zapatero, Sócrates e outros, entre um "croissant" e uns flocos com leite - trata-se de gente muito atlética, corredores de maratona, regrados na higiene alimentar -, a porem o dedo na fronte, franzirem a testa, iluminarem o olhar e afirmarem: "Tive uma ideia"... "essa malta dos mercados não nos deixa a perna, os juros não param de subir. Se não queremos o FMI e gramar com o Borges a mandar em nós, temos de tomar mais medidas. Depressa: Hoje. Já. O que há ainda por aí para vender? Onde podemos cortar mais uns tostões nesse regabofe do Estado social?".
Ao lado, há sempre um pobre e triste Teixeira dos Santos para encontrar mais uma empresa esquecida para vender a pataco, mais um fundo de pensões gerido por um gestor benévolo e colaborante que, com vantagens, o oferece ao Estado, mais um subsídio de um qualquer grupo dito favorecido. Até chegar à Lotaria Nacional! Essa, Zapatero, é de mestre! Só mesmo um socialista modernaço se lembraria dessa! Genial.
José Sócrates tem de ter o mesmo tipo de imaginação talentosa. Com os diabos, se o Paulo Bento deu quatro à Espanha, não é altura do nosso primeiro cobrar ao mesmo nível, mostrando que não fica atrás de Zapatero.
Por exemplo, recuperar Olivença e vendê-la à Merkel.
Privatizar os estuários do Douro e Tejo e o parque da Peneda-Gerês. Poluídos e ardido não têm servidão pública imprescindível. Talvez o Chávez os queira para treinar o exército e armada para a invasão americana.
Nacionalizar e vender os quartéis de bombeiros. Tanto mármore esbanjado. É seguro que o nosso amigo Kadhafi o compra para um daqueles palácios estúpidos e sumptuosos que passa a vida a construir.
E taxar a sopa dos pobres? Não era má ideia. Não há nenhum motivo para que quem tem fome não pague qualquer coisinha para a malta. Já agora com um "ivazinho" mínimo. Talvez 6%! Temos todos de ajudar!
Isto, por agora ainda é paródia. Mas se não invertermos o rumo acabaremos rapidamente em algo semelhante. E nessa altura será a própria essência do regime que estará a ser questionada.
Mas o que já se vê é chocante. Porque é anárquico, porque é casuístico, porque manda às malvas todos os compromissos eleitorais - afirmados livremente e no conhecimento do essencial da realidade, porque abdica de toda e qualquer coerência ideológica que identifique o que se faz com qualquer tipo de referência partidária.
É como comprar um bilhete para o fim do Mundo. Sem saber onde ele fica, quando se lá chega, o que lá se vai encontrar.
No meio disto as frases feitas do costume: "Temos de tomar todas as medidas para que não venha o lobo mau do FMI. Era um desastre sair do euro. Era uma catástrofe colocar em causa o projecto europeu", etc.. Caricato!
Talvez fosse dramático o falhanço da Europa e do euro, mas é seguramente degradante, imprevisivelmente assustador, continuar a acreditar nesta Europa de Zapatero, Sócrates, Sarkozy ou Merkel.
É mau ser comandado formalmente pelo FMI, mas é um horror sê-lo aos bochechos, aos empurrões, informalmente, por controlo remoto, como está acontecer agora.
A Europa precisa rapidamente de um novo destino. Portugal também. Isso pressupõe a democracia a funcionar: eleições, partidos, programas claros para cumprir, ideologia clara.
Pressupõe saber-se quem manda na Europa. Está na altura de alguém mandar e para isso tem de ser eleito por todos os europeus. Está na altura de correr com essa burocracia cara e medíocre que todos os dias sai do nevoeiro de Bruxelas para nos chamar burros a todos. Está na altura da Europa ser digna de homens como Khol, Miterrand e Delors.
Terça-feira faz anos um homem, português, com ideias claras sobre tudo isto. Um homem que sabe que austeridade e sacrifícios só se exercem com resultados se tiverem como base um discurso global inteligível.
Um homem que sobre estes temas anda a pregar no deserto há muitos anos. Parabéns, dr. Mário Soares. E veja lá se dá uma mãozinha a esta gente desnorteada.
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JBS

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