domingo, 13 de março de 2011

OPINIÃO


MINTO LOGO EXISTO

Luis Filipe Menezes

Se a situação da vida pública portuguesa estava perigosamente apodrecida, esta semana gangrenou. A partir de agora, toda e qualquer atitude conservadora, que não entenda que tem que atacar o mal pele raiz, pode colocar em causa a própria estabilidade do regime.


Esta semana os detentores do poder executivo ao nível da decisão governativa conseguiram um pleno de descredibilização aparentemente inatingível em democracia.


Cortaram definitivamente a relação de credibilidade perante o país, cortaram em definitivo os laços mínimos de relacionamento institucional possível com o Parlamento e com o Presidente da República, desafiaram todos os recordes de falta de empatia de confiança com os mercados internacionais, ignoraram que, em última instância, há mínimos de respeito pela população que não podem ser ultrapassados.


A derrocada dos limiares mínimos de credibilidade perante o país - Nas últimas semanas o primeiro-ministro desdobrou-se em declarações triunfalistas, a propósito de tudo e de nada, em detrimento do equilíbrio prudente que a época nebulosa de dúvidas aconselhava. Rejubilou com o que dizia ser os resultados salvíficos das exportações, glosou com o brilhantismo do crescimento económico de 2010, criticou as oposições por não rejubilarem com o que dizia ser "a magnífica" execução orçamental de Janeiro, jurou aos portugueses que as medidas tomadas estavam a resultar e não necessitavam de ser reforçadas.


Uma semana volvida, esta, tornou público mais um pacote de austeridade (o quinto em seis meses!), foi conhecido um "buraco" adicional de 1,3 mil milhões de euros na previsão orçamental para 2011 e pior, tudo isto era conhecido pelo núcleo duro do governo e estava a ser preparado em surdina com técnicos do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia desde há 15 dias.


Ou seja, ao mesmo tempo que se transmitia aos Portugueses uma mensagem de falsa normalidade, preparava-se, nas suas costas, mais um pacotão que vai no sentido oposto do discurso que estava a ser desenvolvido! Extraordinário, bizarro, único!


Corte com o Parlamento, com o Presidente da República, com os parceiros sociais - minoritaríssimo no Parlamento, onde só ainda não caiu porque a aritmética matemática não se consegue conjugar com a política, o governo demonstrou esta semana ter tanto respeito pelo supremo órgão de representatividade plural, quanto o têm a maioria das democracias de fachada do quarto mundo.


Como é possível avançar com medidas tão gravosas e estruturais no dia seguinte ao debate e rejeição de uma moção de censura, sem ter dado uma pista, uma informação, uma indiciação aos deputados. Como é possível os partidos não terem sido formal mente chamados, cumprindo-se a formalidade mínima de avisar o líder da oposição através de um lacónico telefonema?


Como é possível o Presidente da República recém-eleito, que representa a maioria dos portugueses, nem sequer ter tido conhecimento do que se estava a passar?


Como é aceitável que parceiros sociais com quem, ainda há poucos dias, se negociaram, e em alguns casos se acordaram, medidas reformistas de médio prazo, terem ficado completamente à margem desta nova pulsão anti-social?

É óbvio que se houver um mínimo de vergonha e decência, dificilmente existirão condições para continuar a negociar com este interlocutor, quanto mais para o proteger ou apoiar.

O corte definitivo com os mercados - Se até agora assistimos sempre a o paradoxo de cada medida de aparente razoabilidade ter como resposta a desconfiança dos mercados, o facto das decisões, que agora até vinha com a bênção da santa "Ângela", terem conduzido os juros da dívida pública para abarreira mítica dos 8% fala por si.


Para os mercados, para os nossos credores, para os analistas económicos globais, a questão já nada tem a ver com as medidas tomadas ou a tomar. Tem a ver com o facto de nunca mais confiarem na capacidade, na idoneidade técnica e política dos seus actuais executores.


O corte com o país real - Não faltam sinais desta evidência. As grandes manifestações quotidianas, a barafunda nas polícias, nas magistraturas, nas próprias Forças Armadas, as visitas surpresa de um primeiro-ministro já não pode sair à rua sem ser invectivado, têm-se repetido a um ritmo pouco compatível com uma democracia estabilizada. Todavia, as manifestações programadas por milhares de jovens para este fim-de-semana, têm todas as características de inorganicidade espontânea e legítima, que normalmente antecipam uma mudança de ciclo de sistema, quando não de regime.


Cada um tem o Watergate ou o Maio 68 que merece. E pouco importa se as bandeiras são coloridas pelo génio de um Bob Dylan, pelo carisma de um Moustaki ou pela frescura de uns Deolinda.


A "revolução possível", felizmente pacífica e moderada está na rua e não vai parar. Pelo menos até existirem novos protagonistas, novas ideias, novas propostas e consequentes e positivos resultados.


Retirado do JN

JBS

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