NOVO LIVRO DE LÍDIA JORGE
Lídia Jorge: Realismo psicológico
Uma literatura conjugada no presente, ao longo de três décadas e duas dezenas de livros, romances, contos, novelas, teatro: são os "prodígios" da ficção de Lídia Jorge, que regressa ao romance com A Noite das Mulheres Cantoras, lançado amanhã, quinta-feira, 24, na Casa Fernando Pessoa, às 18 e 30, com apresentação de Carlos Reis. Ao JL, a escritora, uma das vozes mais poderosas e reconhecidas das letras portuguesas contemporâneas, fala da sua escrita e do novo livro. Entrevista essa que publicamos na nossa edição em papel, juntamente com a crítica de Miguel Real, que pode ser lida aqui
Neste sentido, sobre um horizonte de realismo social e no interior de uma exploração psicológica, A Noite das Mulheres Cantoras é um romance exemplar tanto na representação das relações sociais entre as personagens quanto na vertente histórica. De facto, o romance retrata bem o frufru em torno da produção de um disco nos longes de 80 e a formação da banda das "mulheres cantoras", minimizando a participação da narradora, então com 19 anos de idade, entrada no grupo de um modo improvisado, e a ascensão da "maestrina" Gisela sobre as restantes elementos do grupo. A personalidade de Gisela é maravilhosamente retratada, uma mulher de vontade, tão arrebatada quanto previdente, tão disciplinada quanto ousada, submetendo tudo (até a morte de Madalena Micaia) e todos (até o "pai", Afonso) em função do objectivo maior da criação do grupo cantante.
Diferentemente, Solange de Matos, narradora e personagem principal, é evidenciada como uma personalidade disponível para as surpresas da vida ("a vida é levada por dois carros e um deles não o conduzimos nós"), ansiosa por encontrar um caminho urbano de existência que lhe apague as dolorosas recordações de Angola e o tédio de vida rural em Sobradinho; porém, suficientemente sabedora do caminho geral que intenta traçar para não dar ouvidos ao cepticismo e ao pessimismo de Murilo Cardoso, estudante de sociologia para quem o mundo se encontra permanentemente à beira do abismo.
Em fundo, executado com mestria e concorde com a superfície do texto, indiciado como horizonte semântico de compreensão, coexiste omnipotentemente a história de Portugal dos últimos 30 anos - a queda do Império, em 1975, representado pelas manas Alcides e pelas recordações de Solange (o "aluno dileto" avisando o pai do iminente ataque contra os portugueses; a repulsa do pai em dar-lhe guarida), e o destino social dos "retornados", sobreviventes do naufrágio do Império, uns resignando-se a uma vida pacata no interior, refazendo a vida com sucesso (como a família de Solange - das suas economias, será comprada o andar do prédio da Praça das Flores, onde termina o romance), outros serão incapazes de se levantar de novo (como Madalena Micaia, falecida três dias após o parto de um filho de pai desconhecido); a espantosa abertura mental europeia dos anos 80 através da descrição da vida de João Lucena e do otimismo americano dos seus amigos; a emergência de uma burguesia liberal que corta radicalmente com antigos costumes pudicos (a cena da piscina em Vila Franca de Xira), evidenciando uma moral hedonista, própria daquela década, a que Solange, educada por uma tradicional burguesia católica, tem dificuldade a habituar-se (os conselhos da mão e do pai ao telefone); a deriva existencial e psicadélica pós-Maio de 68 de Gisela, subvertendo os traços essenciais da sociedade capitalista no mais plutocrata bairro de Lisboa/(Belém/Restelo).
Romance circular, ausente de mensagens moralistas e de sentimentos de artificiosos, inicializado e terminado na noite/madrugada triunfante de 2009, nem breve nem longo em extensão, combatendo a pomposidade da retórica fácil, narrando a história às avessas, mantendo mesmo assim o suspense no leitor, A Noite das Mulheres Cantoras para além dos seus esmeros estéticos, que o estatuem como um ótimo romance, será bastamente apreciado por todos os leitores na idade dos 40, 50 anos, que teriam, à época dos acontecimentos centrais, entre os 20 e os 30 anos. Neste caso preciso, A Noite das Mulheres Cantoras funciona como um poderoso aguilhão da memória pessoal, que certamente encantará os leitores.
Uma literatura conjugada no presente, ao longo de três décadas e duas dezenas de livros, romances, contos, novelas, teatro: são os "prodígios" da ficção de Lídia Jorge, que regressa ao romance com A Noite das Mulheres Cantoras, lançado amanhã, quinta-feira, 24, na Casa Fernando Pessoa, às 18 e 30, com apresentação de Carlos Reis. Ao JL, a escritora, uma das vozes mais poderosas e reconhecidas das letras portuguesas contemporâneas, fala da sua escrita e do novo livro. Entrevista essa que publicamos na nossa edição em papel, juntamente com a crítica de Miguel Real, que pode ser lida aqui
Neste sentido, sobre um horizonte de realismo social e no interior de uma exploração psicológica, A Noite das Mulheres Cantoras é um romance exemplar tanto na representação das relações sociais entre as personagens quanto na vertente histórica. De facto, o romance retrata bem o frufru em torno da produção de um disco nos longes de 80 e a formação da banda das "mulheres cantoras", minimizando a participação da narradora, então com 19 anos de idade, entrada no grupo de um modo improvisado, e a ascensão da "maestrina" Gisela sobre as restantes elementos do grupo. A personalidade de Gisela é maravilhosamente retratada, uma mulher de vontade, tão arrebatada quanto previdente, tão disciplinada quanto ousada, submetendo tudo (até a morte de Madalena Micaia) e todos (até o "pai", Afonso) em função do objectivo maior da criação do grupo cantante.
Diferentemente, Solange de Matos, narradora e personagem principal, é evidenciada como uma personalidade disponível para as surpresas da vida ("a vida é levada por dois carros e um deles não o conduzimos nós"), ansiosa por encontrar um caminho urbano de existência que lhe apague as dolorosas recordações de Angola e o tédio de vida rural em Sobradinho; porém, suficientemente sabedora do caminho geral que intenta traçar para não dar ouvidos ao cepticismo e ao pessimismo de Murilo Cardoso, estudante de sociologia para quem o mundo se encontra permanentemente à beira do abismo.
Em fundo, executado com mestria e concorde com a superfície do texto, indiciado como horizonte semântico de compreensão, coexiste omnipotentemente a história de Portugal dos últimos 30 anos - a queda do Império, em 1975, representado pelas manas Alcides e pelas recordações de Solange (o "aluno dileto" avisando o pai do iminente ataque contra os portugueses; a repulsa do pai em dar-lhe guarida), e o destino social dos "retornados", sobreviventes do naufrágio do Império, uns resignando-se a uma vida pacata no interior, refazendo a vida com sucesso (como a família de Solange - das suas economias, será comprada o andar do prédio da Praça das Flores, onde termina o romance), outros serão incapazes de se levantar de novo (como Madalena Micaia, falecida três dias após o parto de um filho de pai desconhecido); a espantosa abertura mental europeia dos anos 80 através da descrição da vida de João Lucena e do otimismo americano dos seus amigos; a emergência de uma burguesia liberal que corta radicalmente com antigos costumes pudicos (a cena da piscina em Vila Franca de Xira), evidenciando uma moral hedonista, própria daquela década, a que Solange, educada por uma tradicional burguesia católica, tem dificuldade a habituar-se (os conselhos da mão e do pai ao telefone); a deriva existencial e psicadélica pós-Maio de 68 de Gisela, subvertendo os traços essenciais da sociedade capitalista no mais plutocrata bairro de Lisboa/(Belém/Restelo).
Romance circular, ausente de mensagens moralistas e de sentimentos de artificiosos, inicializado e terminado na noite/madrugada triunfante de 2009, nem breve nem longo em extensão, combatendo a pomposidade da retórica fácil, narrando a história às avessas, mantendo mesmo assim o suspense no leitor, A Noite das Mulheres Cantoras para além dos seus esmeros estéticos, que o estatuem como um ótimo romance, será bastamente apreciado por todos os leitores na idade dos 40, 50 anos, que teriam, à época dos acontecimentos centrais, entre os 20 e os 30 anos. Neste caso preciso, A Noite das Mulheres Cantoras funciona como um poderoso aguilhão da memória pessoal, que certamente encantará os leitores.
Lídia Jorge: Realismo psicológico
Uma literatura conjugada no presente, ao longo de três décadas e duas dezenas de livros, romances, contos, novelas, teatro: são os "prodígios" da ficção de Lídia Jorge, que regressa ao romance com A Noite das Mulheres Cantoras, lançado amanhã, quinta-feira, 24, na Casa Fernando Pessoa, às 18 e 30, com apresentação de Carlos Reis. Ao JL, a escritora, uma das vozes mais poderosas e reconhecidas das letras portuguesas contemporâneas, fala da sua escrita e do novo livro. Entrevista essa que publicamos na nossa edição em papel, juntamente com a crítica de Miguel Real, que pode ser lida aqui
Neste sentido, sobre um horizonte de realismo social e no interior de uma exploração psicológica, A Noite das Mulheres Cantoras é um romance exemplar tanto na representação das relações sociais entre as personagens quanto na vertente histórica. De facto, o romance retrata bem o frufru em torno da produção de um disco nos longes de 80 e a formação da banda das "mulheres cantoras", minimizando a participação da narradora, então com 19 anos de idade, entrada no grupo de um modo improvisado, e a ascensão da "maestrina" Gisela sobre as restantes elementos do grupo. A personalidade de Gisela é maravilhosamente retratada, uma mulher de vontade, tão arrebatada quanto previdente, tão disciplinada quanto ousada, submetendo tudo (até a morte de Madalena Micaia) e todos (até o "pai", Afonso) em função do objectivo maior da criação do grupo cantante.
Diferentemente, Solange de Matos, narradora e personagem principal, é evidenciada como uma personalidade disponível para as surpresas da vida ("a vida é levada por dois carros e um deles não o conduzimos nós"), ansiosa por encontrar um caminho urbano de existência que lhe apague as dolorosas recordações de Angola e o tédio de vida rural em Sobradinho; porém, suficientemente sabedora do caminho geral que intenta traçar para não dar ouvidos ao cepticismo e ao pessimismo de Murilo Cardoso, estudante de sociologia para quem o mundo se encontra permanentemente à beira do abismo.
Em fundo, executado com mestria e concorde com a superfície do texto, indiciado como horizonte semântico de compreensão, coexiste omnipotentemente a história de Portugal dos últimos 30 anos - a queda do Império, em 1975, representado pelas manas Alcides e pelas recordações de Solange (o "aluno dileto" avisando o pai do iminente ataque contra os portugueses; a repulsa do pai em dar-lhe guarida), e o destino social dos "retornados", sobreviventes do naufrágio do Império, uns resignando-se a uma vida pacata no interior, refazendo a vida com sucesso (como a família de Solange - das suas economias, será comprada o andar do prédio da Praça das Flores, onde termina o romance), outros serão incapazes de se levantar de novo (como Madalena Micaia, falecida três dias após o parto de um filho de pai desconhecido); a espantosa abertura mental europeia dos anos 80 através da descrição da vida de João Lucena e do otimismo americano dos seus amigos; a emergência de uma burguesia liberal que corta radicalmente com antigos costumes pudicos (a cena da piscina em Vila Franca de Xira), evidenciando uma moral hedonista, própria daquela década, a que Solange, educada por uma tradicional burguesia católica, tem dificuldade a habituar-se (os conselhos da mão e do pai ao telefone); a deriva existencial e psicadélica pós-Maio de 68 de Gisela, subvertendo os traços essenciais da sociedade capitalista no mais plutocrata bairro de Lisboa/(Belém/Restelo).
Romance circular, ausente de mensagens moralistas e de sentimentos de artificiosos, inicializado e terminado na noite/madrugada triunfante de 2009, nem breve nem longo em extensão, combatendo a pomposidade da retórica fácil, narrando a história às avessas, mantendo mesmo assim o suspense no leitor, A Noite das Mulheres Cantoras para além dos seus esmeros estéticos, que o estatuem como um ótimo romance, será bastamente apreciado por todos os leitores na idade dos 40, 50 anos, que teriam, à época dos acontecimentos centrais, entre os 20 e os 30 anos. Neste caso preciso, A Noite das Mulheres Cantoras funciona como um poderoso aguilhão da memória pessoal, que certamente encantará os leitores.
Uma literatura conjugada no presente, ao longo de três décadas e duas dezenas de livros, romances, contos, novelas, teatro: são os "prodígios" da ficção de Lídia Jorge, que regressa ao romance com A Noite das Mulheres Cantoras, lançado amanhã, quinta-feira, 24, na Casa Fernando Pessoa, às 18 e 30, com apresentação de Carlos Reis. Ao JL, a escritora, uma das vozes mais poderosas e reconhecidas das letras portuguesas contemporâneas, fala da sua escrita e do novo livro. Entrevista essa que publicamos na nossa edição em papel, juntamente com a crítica de Miguel Real, que pode ser lida aqui
Neste sentido, sobre um horizonte de realismo social e no interior de uma exploração psicológica, A Noite das Mulheres Cantoras é um romance exemplar tanto na representação das relações sociais entre as personagens quanto na vertente histórica. De facto, o romance retrata bem o frufru em torno da produção de um disco nos longes de 80 e a formação da banda das "mulheres cantoras", minimizando a participação da narradora, então com 19 anos de idade, entrada no grupo de um modo improvisado, e a ascensão da "maestrina" Gisela sobre as restantes elementos do grupo. A personalidade de Gisela é maravilhosamente retratada, uma mulher de vontade, tão arrebatada quanto previdente, tão disciplinada quanto ousada, submetendo tudo (até a morte de Madalena Micaia) e todos (até o "pai", Afonso) em função do objectivo maior da criação do grupo cantante.
Diferentemente, Solange de Matos, narradora e personagem principal, é evidenciada como uma personalidade disponível para as surpresas da vida ("a vida é levada por dois carros e um deles não o conduzimos nós"), ansiosa por encontrar um caminho urbano de existência que lhe apague as dolorosas recordações de Angola e o tédio de vida rural em Sobradinho; porém, suficientemente sabedora do caminho geral que intenta traçar para não dar ouvidos ao cepticismo e ao pessimismo de Murilo Cardoso, estudante de sociologia para quem o mundo se encontra permanentemente à beira do abismo.
Em fundo, executado com mestria e concorde com a superfície do texto, indiciado como horizonte semântico de compreensão, coexiste omnipotentemente a história de Portugal dos últimos 30 anos - a queda do Império, em 1975, representado pelas manas Alcides e pelas recordações de Solange (o "aluno dileto" avisando o pai do iminente ataque contra os portugueses; a repulsa do pai em dar-lhe guarida), e o destino social dos "retornados", sobreviventes do naufrágio do Império, uns resignando-se a uma vida pacata no interior, refazendo a vida com sucesso (como a família de Solange - das suas economias, será comprada o andar do prédio da Praça das Flores, onde termina o romance), outros serão incapazes de se levantar de novo (como Madalena Micaia, falecida três dias após o parto de um filho de pai desconhecido); a espantosa abertura mental europeia dos anos 80 através da descrição da vida de João Lucena e do otimismo americano dos seus amigos; a emergência de uma burguesia liberal que corta radicalmente com antigos costumes pudicos (a cena da piscina em Vila Franca de Xira), evidenciando uma moral hedonista, própria daquela década, a que Solange, educada por uma tradicional burguesia católica, tem dificuldade a habituar-se (os conselhos da mão e do pai ao telefone); a deriva existencial e psicadélica pós-Maio de 68 de Gisela, subvertendo os traços essenciais da sociedade capitalista no mais plutocrata bairro de Lisboa/(Belém/Restelo).
Romance circular, ausente de mensagens moralistas e de sentimentos de artificiosos, inicializado e terminado na noite/madrugada triunfante de 2009, nem breve nem longo em extensão, combatendo a pomposidade da retórica fácil, narrando a história às avessas, mantendo mesmo assim o suspense no leitor, A Noite das Mulheres Cantoras para além dos seus esmeros estéticos, que o estatuem como um ótimo romance, será bastamente apreciado por todos os leitores na idade dos 40, 50 anos, que teriam, à época dos acontecimentos centrais, entre os 20 e os 30 anos. Neste caso preciso, A Noite das Mulheres Cantoras funciona como um poderoso aguilhão da memória pessoal, que certamente encantará os leitores.
COMENTÁRIO
O livro de Lídia Jorge conta uma história recente que não tem ainda 50 anos. O que não me parece bem.
JBS
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