sexta-feira, 11 de março de 2011

ASSIM VAI O PAÍS


ASSIM VAI O PAÍS
Por Luis Marques


O que verdadeiramente espanta é a obsessão do Governo em manter um discurso totalmente desfasado da realidade.

O governador do Banco de Portugal acha que já estamos em recessão. Tecnicamente há recessão quando a economia regista dois trimestres de crescimento negativo. Como os dados conhecidos só mostram crescimento negativo no último trimestre de 2010, quer isto dizer que Carlos Costa, com os dados de janeiro, está a antecipar a mesma realidade no primeiro trimestre de 2011.


Nada que nos espante.

Quase na mesma altura o primeiro-ministro preferiu destacar o crescimento de 1,7 no ano passado, ignorando que no último trimestre a economia entrou em clara desaceleração. Olhando apenas para os números José Sócrates tem razão. A economia cresceu em 2010. Mas seria avisado reconhecer duas coisas. Primeira: o crescimento português foi dos mais baixos da Europa. Segunda: o resultado do quarto trimestre antecipa tempos difíceis. Como sabemos essa não é natureza do primeiro-ministro. Nada que nos espante.

O Banco Central Europeu (BCE) continua a intervir ativamente na colocação da dívida portuguesa. Os dados mais recentes mostram que 15 por cento da nossa dívida está nas mãos do BCE, que tem sido uma peça-chave não só na compra da dívida, mas em garantir taxas de juro que, sendo escandalosamente altas, ainda assim são politicamente suportáveis. O primeiro-ministro reiterou esta semana que Portugal não precisa de ajuda externa, confundindo o BCE com o Banco de Portugal. Nada que nos espante.

Por falar em taxas. Nas últimas colocações de médio prazo pagámos taxas de sete por cento, valor que Teixeira dos Santos considerava insuportável há uns meses. Na colocação de curto prazo feita esta semana pagámos juros acima da Espanha e, novidade, da Grécia (esperam-se reações dos críticos do Fundo de Estabilização Europeu/FMI). O ministro das Finanças reagiu a estes números afirmando que Portugal está a fazer o seu trabalho, a Europa é que não. Nada que nos espante.

Os números do desemprego de 2010 confirmam o que se temia. Fechou nos 11,1 por cento, subindo relativamente aos últimos dados conhecidos, que eram inferiores a 11 por cento. A ministra do Emprego, numa sensata demonstração de humildade, reconheceu que o Governo está a ter dificuldades em contrariar esta tendência. Horas depois o imparável e visionário secretário de Estado, Valter Lemos, veio dizer que o desemprego está em desaceleração desde 2009. Nada que nos espante.

Não nos pode espantar que a situação económica do país esteja difícil. Era e é inevitável. Portugal vai registar um ajustamento doloroso que se prolongará por vários anos. O rendimento disponível vai descer, o desemprego manter-se-á alto, o Estado terá muitas dificuldades de garantir o atual nível de prestações sociais, enfim, os portugueses vão viver pior.

O que verdadeiramente espanta é a obsessão do Governo em manter um discurso totalmente desfasado da realidade, sempre em choque com os factos. Pior: aparentemente o Governo acredita mesmo na realidade artificial em que vive. Essa é a parte perigosa e constrangedora, na medida em que o inibe de atacar os problemas que agora e no futuro nos condenarão à mediocridade. Nada que nos espante, afinal.

Luís Marques /Expresso

1 comentário:

  1. Ponto de vista.

    Muito bom artigo. Num terreno difícil. LM, apresenta e mito boa qualidade jornalística, a verdadeira situação do País.

    Artigos desta qualidade são necessários.

    Está tudo aí.

    È só ler.

    Mas quero deixar esta pergunta: se os jornalistas conhecem o diagnóstico porque será que os governantes não o conhecem.

    LM diz que nada o espanta.

    Estranho.

    JBS

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