sábado, 5 de fevereiro de 2011

COM O DEVIDO RESPEITO

GENTE QUE MERECEU

Temos perante nós uma velha fotografia, reproduzida num dos últimos números do prestigiado mensário “Notícias de São Brás”, editado na Vila de São Brás de Alportel.
Sob o título “Recordando o Passado”, a foto enuncia-nos um “Grupo Ilustre”. Assina J. B., colaborador do referido jornal.
“Grupo Ilustre”. E na verdade - para quem os conheceu a quase todos, à época - trata-se de um grupo de gente de certo modo ilustre. Gente da cultura, da religião, da medicina, da engenharia, do comércio, da indústria. Tudo vultos do Algarve e ligados ao Algarve, de então. À vida algarvia doa anos 40/50 do século que findou há pouco.
Fotografados à porta da Pousada de São Brás, velho edifício, de um tempo muito antes das obras de beneficiação de que veio a ser alvo e que de pouco lhe valeram nos dias de hoje, pois presentemente encontra-se encerrada a dita Pousada, por alegada inviabilidade económica, dado o surgimento recente da nova Pousada de Estói. Coisas que o império da hotelaria tece…
Aqui, aos Almargens, ao Poço Ferreiros, a este serro com uma vista panorâmica ainda agora deslumbrante, admirável, aqui a São Brás de Alportel, vieram António Ferro, ministro de da Propaganda do Regime de Salazar, acompanhado por Duarte Pacheco (outro algarvio), também ministro e das Obras Públicas, com o fim de escolherem o melhor local para edificar a segunda Pousada Portuguesa, e a primeira da Região Algarvia.
Quanto a nós, escolheram bem o local, sobranceiro à Vila. A Pousada veio a tornar-se para o tempo que se vivia uma acolhedora, moderna, e aconchegante unidade hoteleira regional. Vão longe esses tempos…
Reunidos na foto, ei-los que aí estão, depois de um provável opíparo almoço, com manjares tipicamente regionais, como era uso desta Pousada regional…
Vamos recordar os identificados, de modo leve, por razões de espaço, que esta crónica ocupa. Da esquerda para a direita, lá está com ar bem-disposto o Dr. Mário Dinis Porto (Pai), de chapéu na mão, fumando o seu cachimbo.
Com ele trabalhámos, na condição de médico de Saúde Pública em São Brás de Alportel. Já o Dr. Mário Porto ia entrado na idade… Por esta altura, princípios dos anos setenta, também fazia parte do mesmo grupo o Dr. João Dias (Filho), a quem todos os colegas chamavam com carinho e respeito… “o Joãozinho”. Ambos, já não pertencem ao número dos vivos, como aliás todos os outros que se deixaram fotografar naquela tarde longínqua, na Pousada.
A nossa relação com o Dr. Mário Porto foi sempre franca, leal, cerzida numa camaradagem inesquecível. Com ele aprendemos a dedicação à profissão, o trato lhano e sadio com os doentes, a prática de uma medicina rural com fracos recursos, mas com muito boas noções de semiologia clínica e excepcional êxito nos resultados. Igualmente nos ensinou, que a vida deve ser bem vivida e nunca levada muito a sério.
O Dr. Porto conhecia os seus doentes como as suas mãos, passe a expressão, e tratava-os a todos filialmente por tu. Bom conviva, tinha as suas horas próprias para “filosofar”. E era um nato contador de estórias, testemunho vivo de uma vida inteira a lidar com pessoas. Rematava sempre as nossas conversas com uma anedota brejeira ou com ditos recheados de imensa graça.
Deixou-nos a saudade da sua própria pessoa… E a saudade desse tempo de trabalho e de convívio, e igualmente a saudade de um Portugal rural e “doméstico”, apertadinho, com o fato cingido ao corpo, talhado à medida, onde tudo era sujeito a censura e repressão.
J. B., que assina por baixo da foto, não conseguiu identificar os dois outros indivíduos que estão colocados na foto por detrás do Dr. Mário Porto. Nós, também não. Um, por estar quase totalmente encoberto. O outro, bem visível, mas desconhecido para as pessoas deste tempo, provavelmente comerciante ou industrial, gente das redondezas (?) da Vila serrana de São Brás de Alportel.
À frente, sobressai o Padre Inácio, pároco de São Brás de Alportel, ao tempo. Grande figura humana e homem dotado de uma inteligência fora do comum, para além de uma sensibilidade e caridade notável. Quem conviveu com ele sabe quanto o seu humanismo, a sua cultura, a sua bondade pesavam. O povo “amava-o” e respeitava-o verdadeiramente.
– “Ah, Padre Inácio! Valha-nos, Padre Inácio!... Valha-nos Deus e os seus santos!” – gritava o povo nas horas de aflição e tormento.
E o Padre Inácio lá estava, no seu posto, nas horas em que necessitavam dele.
A figura do Padre Inácio (só ela, daria uma crónica…) foi sempre muito popular. Era muito querido por todos os lugares por onde passava. A sua morte tão precoce (que a morte é sempre precoce…) deixou viva saudade em todos quantos com ele lidaram, ou por ele foram baptizados ou consorciados pelo casamento, todos os que a sua humanidade “tocou”.
(continua)
Por: Varela Pires

Recolha de
JBS

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