terça-feira, 12 de agosto de 2008

IMPRENSA/ VISÃO


CHEQUES EM BRANCO
Por Aurea Sampaio

Em Portugal, os dois partidos de alternância no poder – PS e PSD – não têm o bom hábito de apresentar, discutir e fundamentar as suas propostas quando estão na oposição. É certo que a falta de transparência do Estado e a caixinha que os governos fazem da verdadeira situação das contas públicas e dos estudos e dados em que assentam as suas políticas não ajuda à formulação de medidas alternativas sérias. Mas isto também não é desculpa, visto que a situação é da inteira responsabilidade destas duas formações partidárias que, se de facto quisessem, já tinham mudado as regras.
Só que não querem. E não querem porque isso lhes permite todas as ambiguidades eleitorais, prometendo o que não podem nem sabem para chegar ao poder. Permite-lhes também acomodar a máquina. Ou seja, após a saída do poder, há uma debandada geral de quadros políticos e de amigos que perdem cargos e postos por força da mudança. Essa gente precisa de hibernar e de tratar da vida. Em regra, resguardam-se em órgãos sociais de empresas públicas (porque o bloco central tem este pacto não assumido de garantir sempre uns lugares aos «adversários», o que é de bom-tom e dá sempre jeito na adversidade) ou privadas (porque é aconselhável não hostilizar quem pode voltar ao poder). A consequência desta lógica é a anemia da massa crítica partidária que, se já não é brilhante em tempo de vacas gordas, se torna insuportavelmente medíocre quando está na oposição. O retrato desta realidade espelha-se no Parlamento que, ao contrário do que devia suceder numa democracia sólida, funciona ao sabor das iniciativas do Governo, em vez de actuar como lhe compete – órgão fiscalizador da actividade do Executivo.
Vem isto a propósito do último debate do Estado da Nação e da postura do PS e do PSD, na sequência, de resto, das entrevistas de José Sócrates (à RTP) e de Manuela Ferreira Leite (à TVI). O País (como o mundo) está em crise, já se sabe. O primeiro-ministro, não interessa se por eleitoralismo, se por erosão nas sondagens, se por estar realmente preocupado com a situação dos portugueses, apresentou medidas e exibiu a atitude proactiva de quem quer resolver os problemas. E o PSD o que disse? Que «não há dinheiro para nada». Ou seja, deu a ideia de que não há nada a fazer a não ser cruzar os braços e esperar que, miraculosamente, alguma coisa aconteça. A imagem foi péssima, a mensagem passiva, a alternativa nenhuma. Assim não vai lá.
Para não sermos injustos, há que considerar que Ferreira Leite ainda agora chegou, está a formar equipas e, espera-se, a forjar um programa credível. Mas, até para quebrar este ciclo infernal de silêncio e de ausência de debate a sério – e o debate a sério ajuda a mobilizar inteligências e energias –, é bom que o mostre, que o submeta à discussão pública bem antes da campanha eleitoral. Para que os eleitores distingam projectos e saibam quais as opções. É fundamental que o PSD diga claramente ao que vem, pelo menos em cinco áreas essenciais: impostos, saúde, educação, justiça e obras públicas.
Se o não disser, isso significa que quer chegar ao poder com margem de manobra para utilizar todos os subterfúgios capazes de justificar medidas contrárias a tudo o que apregoou. Desengane-se, porém, quem joga nesta táctica déjà vu. Com eleitores escaldados e cada vez mais espertos, é difícil obter cheques em branco.

Publicação de
JBS

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